Crónica de Alice Vieira | Histórias infantis

Alice Vieira

 

Histórias infantis
Por Alice Vieira

Às vezes tenho saudades de livros muito antigos que li em criança e que desapareceram nestes anos todos. E gostava de os reaver.

Por isso quando há dias descobri na Wook “A Princesinha”, da Frances Burnett, mandei logo vir. Foi quase imediato. Tive de o ir buscar ao Correio, mas aí a culpa foi minha: eu devia ter pensado que aquilo vinha registado, por isso o meu carteiro Paulo não mo poderia entregar na rua quando me visse. (Por isso detesto receber correio registado.) Abri imediatamente o pequeno embrulho e lá estava ela, Sarah, a Princesinha, numa capa agora feita a partir de um desenho de Patrícia Furtado, a habitual ilustradora dos meus livros.

Era assim uma mistura de passado e presente que me agradou muito.

“A Princesinha” é  a história de uma menina órfã de mãe, mas com um pai muito rico que andava sempre em viagem. Por isso ela vivia com uma criada e dama de companhia numa casa lindíssima, com vestidos de seda e jóias por toda a parte. Resumindo e concluindo: um dia ela recebe a notícia da morte do pai que se tinha deitado ao mar por ter ficado completamente arruinado. Tudo muda; a criada e a aia passam a mandar nela, dão-lhe um quarto minúsculo junto ao telhado, fazem-na passar fome, mandam-na trabalhar e é ela que tem de fazer tudo lá em casa. Ela nunca se queixa, acha sempre que há gente que vive pior do que ela, partilha com os outros o pouco que tem e que não tem. Até que um dia um amigo do pai aparece, e afinal o pai tinha–lhe deixado uma grande fortuna – e o senhor levou-para viver com ele e foram todos muito felizes.

Mas na contracapa vejo a publicidade a outro livro, do mesmo tempo—e de que eu também tinha gostado muito. Chamava-se “O Menino Enjeitado” onde, ainda por cima a protagonista se chamava Alice. Aí era a história de um menino que os pais tinham abandonado de madrugada à porta de uma casa. A família dessa casa acolheu-o muito bem, todos gostavam  muito dele e ele também os adorava. Anos depois quando apareceu um casal a dizerem-se seus pais—ele virou-lhes a cara e não foi com eles.

E fim da história.

Mas o pior vem agora…

Um dia a tia que me criava mandou-me chamar para me mostrar às visitas. A sua obra de caridade, como ela dizia.

E uma delas fez aquela pergunta parva que todas fazem quando vêem uma criança: “que queres ser quando fores grande?”

E eu pensei, pensei e não achei melhor futuro: “eu queria ser enjeitada!”

Apanhei uma tareia, meteram-me no quarto, e não comi nada nesse dia.

Vistas bem as coisas… acho que não vou mandar vir este livro…

 

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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