Crónica de Alice Vieira | Contar histórias

Alice Vieira

Contar histórias
Por Alice Vieira

 

Há bocado, no meio deste temporal (espero que, ao lerem esta crónica, ele já tenha passado) ouvi alguém dizer que nestas alturas o que sabe bem é ouvir contar histórias.

E então lembrei-me dum amigo, que já não vejo há muito tempo, e que fazia uma coisa parecida.

Não sei se já ouviam falar no poeta Corsino Fortes, um grande poeta de Cabo Verde  de quem fui muito amiga. Tínhamos sido colegas na universidade—ele a sair e eu a entrar—e tratava-me por coleguinha. E reencontrámo-nos anos depois numas “Correntes de Escrita” (ele morreria pouco tempo depois).

O Corsino Fortes tinha um filho, com o mesmo nome, que fazia uma coisa extraordinária.

As pessoas telefonavam-lhe, davam-lhe o número de telefone de uma amiga e ele, por meia dúzia de tostões, ligava para esse número e dizia-lhe que uma amiga dela tinha-lhe pedido que lhe lesse um poema. E então lia-lhe um belíssimo poema, duma lista que andava sempre com ele.

Eu soube disto porque fui uma das contempladas: um dia atendo uma chamada e de lá dizem-me “a sua amiga X. pediu-me que lhe lesse um poema”. Eu nem tive palavras, enquanto ele lia um poema de Eugénio de Andrade. E no fim perguntou: “gostou?”

Claro que eu tinha gostado muito e depois ele contou-me o que se passava.

Espero que ele tenha continuado a fazer o seu trabalho. As pessoas ficam mesmo felizes depois de o ouvirem.


Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

Leia também