Crónica de Licínia Quitério | O Herlânder e a Neuza

Licínia Quitério

De ontem e de hoje | O Herlânder e a Neuza por Licínia Quitério   Hoje bateu-me à porta alguém vindo de um tempo em que todos eram velhos, uns mais do que outros, a não ser o Herlânder e a Neuza e todos os que eram novos como eu. Só os velhos, uns mais do que outros, é que não pulavam todo o dia e alguns ficavam muito sossegados nas cadeiras, com ou sem mesa, calados ou a conversarem. Lembro-me bem de um velho que nos dias de Sol…

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Crónica de Licínia Quitério | Pastelaria Edite

Licínia Quitério

De ontem e de hoje | Pastelaria Edite por Licínia Quitério   Pastelaria Edite – era o que dizia o letreiro na cimeira da porta e montra. Um espaço acanhado para meia dúzia de mesas, um balcão ao fundo, em L, o lado menor junto à parede. Era exactamente aí que durante anos vi o senhor Pina a tirar bicas, em movimentos automatizados, a rodar o manípulo, a carregar no botão, a bater com força  duas vezes, duas, o recipiente a despejar o café molhado e espremido. Os clientes, na…

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Crónica de Licínia Quitério | Os meus dias da rádio

Licínia Quitério

De ontem e de hoje | Os meus dias da rádio por Licínia Quitério   Faz muitos anos que, menina que eu era, vivia fascinada pelo som que se soltava daquela caixa castanha e polida, com um vidro cheio de letras e números onde, rodando um botão, se fazia navegar, para trás, para diante, um ponteiro fininho, não mais do que um risco preto no vidro iluminado. Era o ponteiro ao parar que fazia ouvir falas de homem, de mulher, ou músicas, tocadas e cantadas. Eram os dias da rádio.…

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Crónica de Licínia Quitério | Dantes é que era bom

Licínia Quitério

De ontem e de hoje | Dantes é que era bom por Licínia Quitério   “Naquele tempo a escola era risonha e franca…” Assim começa um poema que nos meus tempos de menina, meu Pai me deu a conhecer. Trago este verso com o propósito de reflectir nas relações havidas por cada geração com a aprendizagem do seu tempo. Naturalmente é a minha geração que me serve de amostra porque a observo nos abundantes ditos e escritos que citam e ilustram opiniões sobre escolaridade. É vulgar a crítica negativa à…

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Crónica de Licínia Quitério | A aldeia global

Licínia Quitério

De ontem e de hoje – A aldeia global por Licínia Quitério   A palavra “globalização” que inundou os vocabulários de todo o “globo”, pronuncia-se com  cuidados redobrados, não vamos, apressados, saltar uma sílaba e desfeá-la ou torná-la intraduzível. Este arrazoado vem a propósito da observação recente de novidades de além mundo que, com a tal globalização, têm chegado aos lugares mais improváveis deste nosso país. Gente apelidada de migrante, perdida a bondade ou oportunidade de seus países de origem, chega, por caminhos impensados, a vilas e aldeias deste país…

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Crónica de Licínia Quitério | Até ao meu regresso

Licínia Quitério

De ontem e de hoje – Até ao meu regresso por Licínia Quitério   Pelo meio de tantas memórias que enchem caixas, caixotes, baús, fui recordar  os aerogramas, coisas que hoje já ninguém sabe o que são. Foi a guerra, talvez se lembrem, aquela devastadora guerra entre o governo de Portugal e os movimentos de libertação das colónias, que assim não podiam ser chamadas, mas províncias ultramarinas. Disfarces, eufemismos para catorze anos de sofrimento que queimaram corpos e sonhos de uma geração. Eram os aerogramas um papelito colorido que fazia…

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Crónica de Licínia Quitério | Gatos

Licínia Quitério

De ontem e de hoje – Gatos por Licínia Quitério   Hoje vou falar sobre gatos. Sobre a minha relação com os gatos que ao longo da vida vêm partilhando comigo casa e comida, para não falar de discussões e brincadeiras. Quando nasci havia lá em casa um gato de que não me posso lembrar porque quando morreu eu ainda era inconsciente da vida que começava. Diziam os meus pais que era um animal meigo e que me dava marradinhas suaves. O primeiro gato que conheci de perto chamava-se Lince,…

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Crónica de Licínia Quitério | O racionamento

Licínia Quitério

De ontem e de hoje – O racionamento por Licínia Quitério   Eu era muito pequena quando a guerra acabou, mas lembro-me bem do “racionamento”, essa palavra que andava de lar em lar, de boca em boca, e que para mim constituía um divertimento diário. Era-me então permitido recortar uns quadradinhos de papel azul-claro onde estava inscrita uma data e um qualquer número que queria dizer “pão”. A minha mãe dizia-me quantos quadradinhos eu devia entregar ao padeiro que nos trazia o pão à porta. Lembro-me do boné dele, do…

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Crónica de Licínia Quitério | Um laço vermelho

Licínia Quitério

De ontem e de hoje – Um laço vermelho por Licínia Quitério   Vinha com vontade de falar, de ter quem lhe ouvisse a fala, que não a interrompesse, e sobretudo não desse opiniões sobre o que ia falando. Foi o que eu entendi ao vê-la chegar ao café, puxar a cadeira e sentar-se, o corpo paralelo ao tampo da mesa quadrada. Não nos conhecíamos a não ser daquele lugar  de gente rotineira, de vizinhanças vagamente cúmplices, de histórias de bairro sem grandes rasgos, de um ou outro negócio clandestino,…

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Crónica de Licínia Quitério | É a vida…

Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – É a vida… por Licínia Quitério   Agora tem tempo, não é como dantes, sempre numa corrida, trabalho, trabalho, trabalho. Anos, muitos anos de dureza e pouco ganho. Já quase a despedir-se para a reforma, o corpo dorido, nenhuma esperança em melhor sorte, desabafava: — Quando Deus quiser que me leve, que já vi tudo o que há para ver, A preparar-se para os últimos anos da viagem, aconteceu o milagre, que ainda acontecem, segundo ele afirma de prova provada. A mulher muito…

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