Crónica de Alice Vieira | Um concerto memorável

Alice Vieira

 

Um concerto memorável
Por Alice Vieira

 

Já alguma vez foram ao Cabo da Roca? Deviam ir. Dão-vos um diploma, a comprovar que estiveram no cabo mais ocidental da Europa, e tiram-vos uma fotografia onde isso está assinalado. Por acaso ainda lá não levei os meus netos, mas tenho de os levar: uma coisa de que nenhum país onde eles estudam se pode gabar… E depois temos Cascais mesmo ali ao lado. Sempre gostei muito de Cascais. Até escrevi um livro sobre Cascais. Chama-se “O Promontório da Lua”. É a história de Cascais contada por uma palmeira que vai ser derrubada. Por isso a história só vai até 1934 — que é quando a palmeira é derrubada. O único rei que viveu sempre no Palácio da Cidadela, em Cascais, foi o rei D. Luís — com o Cabo da Roca mesmo em frente. D. Luis era um rei muito culto, falava várias línguas, traduziu Shakespeare, e era ainda um bom pintor: pintava aguarelas, todas com o mar como tema.

alice livro

Mas não se pode saber tudo, não é? O Rei D. Luis tinha a mania que tocava muito bem violino — mas era uma desgraça completa.

E todas as semanas organizava um quarteto, com alguns dos seus ministros, que tocavam tão bem como ele. Uma alegria.

Mas nunca se lembrou de lhes perguntar que opinião eles tinham daquele quarteto. Eles batiam muitas palmas e isso é que era preciso.

Uma tarde, já tinha acabado o concerto, lembrou-se de perguntar ao seu Primeiro Ministro:

— Que acha deste quarteto?

O Primeiro Ministro meteu os pés pelas mãos, gaguejou, não podia dizer ao rei que aquilo era uma porcaria, mas, de repente, teve uma ideia de génio:

— Majestade, este é o quarteto mais ocidental da Europa!

 

Alice Vieira

 


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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