Crónica de Alexandre Honrado – E Putin aqui tão perto

Abril entre cravos: Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
E Putin aqui tão perto

 

Escrevi há dias sobre os países que estão em guerra no mundo, lamentando que os nossos noticiários passem à margem da catástrofe humana que se vive em cada um deles. Tive comentários surpreendentes, como se eu não tivesse entendido (por alguma lacuna do meu fraco entendimento) que a prioridade portuguesa, europeia, mediática e atual era a Ucrânia – para quê perder tempo com os 19 milhões de pessoas a passar fome no Iémen, país do tamanho da França e que vive um dos maiores terrores da história? Para quê voltar à Síria ou a Iraque ou a qualquer outro dos países que continua em guerra, apesar da insanidade russa e para lá dela?

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É claro que sempre nos foi dito (e ensinado) que um atropelado ao fundo da rua é mais digno de títulos e chamadas de noticiário que um milhão de chineses engolidos numa catástrofe natural. Porque é assim mesmo. Esquecidos de que somos uma minoria pálida, territorial e humana, na relação de escalas com o mundo, os europeus serão sempre autocentrados e a sua realidade será sempre a do seu Velho Continente, vivemos dentro das fronteiras da nossa vasta ignorância.

Não discordo e até acho legítimo: o que me estremece ou interessa se a civilizada pátria japonesa ainda tem pena de morte (não há muito tempo executou três pessoas), ou se a administração Trump acelerou as execuções de condenados à pena capital pouco antes de terminar, ou que a mesma pena tenha regressado a Boston, seja aplicada no Bangladesh, ainda em Marrocos apesar de múltiplos esforços e, saltando por cima de múltiplos exemplos, seja usada nas guerras que se travam no planeta terra, como se de coisa boa e inevitável se tratasse? Começa a dizer-me respeito ao ver que há milhares de mortos civis em cenários de conflito militar e que Putin, que se expressa numa língua eslava indo-europeia, resolveu falar a língua da impunidade, envergando a vergonhosa pele de alguns dos seus ancestrais, e, qual Estaline ou Hitler, decretou a morte alheia depois de um longo período de premeditação e preparação (onde nem falhou o financiamento e a promoção da extrema-direita europeia, consta que nem a portuguesa escapou à generosidade).

São todos os exemplos que dei formas de assassinatos em vários formatos modelares – são, em resumo, atentados à vida humana.

Por que havemos de calá-los quando merecem estar lado a lado com a guerra que Vladimir Putin decidiu declarar à Europa e que paralisou a Europa incapaz de lidar com o efeito de guerra?

No prato da balança do terror, todos esses atentados nos ofendem, nos limitam, nos envergonham.

Não dei o exemplo de outros cenários de guerra para apoucar o flagelo ucraniano. Não me esqueci que os serviços secretos andavam a avisar que ia ser assim, mais dia menos dias, e que o regresso dos regimes autoritários à Europa, patrocinado por Putin, já estava em andamento, até em Portugal, e que nos devemos unir para enfrentar Putin e todos os seus clones, que andam à solta e até perto de nós.

Estava a reler umas frases velhas e batidas e a pensar que não faziam muito sentido: considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum

Sim, é do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A maior parte dos humanos deste mundo nunca ouviu falar disto.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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