Crónica de Alexandre Honrado – Surpresas – Entre indigentes e prósperos

Alkexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Surpresas – Entre indigentes e prósperos

 

Não ficaria surpreendido se as verdadeiras minorias pegassem em armas. Se os famintos, os andrajosos, os sem abrigos, empunhassem paus e pedras, roubassem as armas que pudessem, e em nome da sobrevivência – a única ideologia que parece ser uma sólida visão do mundo na atualidade -, procurassem um lugar no recinto que a sorte lhes nega.

Não me admirava saber que os sem abrigo procuravam abrigo, um conforto qualquer que reabilitasse a sua debilidade humana. Que os destituídos de poder quisessem adquirir o sabor das decisões. Que os enregelados conquistassem abafos e recantos aquecidos. Que os aterrorizados pegassem na cobardia com a força que há nos pulsos da coragem. Todavia, o que vejo é os privilegiados construírem discursos de coisa nenhuma, bradando luminárias em troca da cegueira e cegando os mais carentes de luz própria. Do rapazinho que criou um partido para a sua saciedade, aos terroristas que até já têm um país graças a nós, que ficámos de braços cruzados a vê-los prosperar. E não se pense que aqueles sujeitos imundos, das barbas densas, cabelos com piolhos e trapos nojentos a tapar o que não queremos ver, cobardes a fingirem de heróis com armas nas mãos e o poder de negar a liberdade aos outros, não se pense, repito, que são um povo que se afirma, manifestando-se pela boçalidade e pela obediência cega aos seus inescrupulosos líderes (que se escondem na religião, que não deixa de ser afinal o seu cofre-forte).

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Aqueles terroristas, assassinos, que simbolizam a insegurança e a falta de prosperidade alheia – a prosperidade alheia é alicerçada nas liberdades, política, artística, intelectual, religiosa e sexual – são movidos por um teocentrismo medieval e por obscuros mas muito fortes interesses económicos. São homens de negócios que não tomam banho e que não sendo capazes de uma relação amorosa escravizam as mulheres impondo a sua impotência pela força bruta. Gente totalitária e fascizante, que quer purificar o mundo com a sua sujidade, com a sua contaminação.

Não ficaria surpreendido se fossem os necessitados a exigir dignidade e melhores condições de vida. Fico boquiaberto ao ver os radicais, privilegiados bem patrocinados mas sem valores, numa marcha atrozmente gloriosa, a negar a ideia que antigamente unia os povos do ocidente: não é pela violência que se desencadeia a mudança política, mas pela inteligência.

Vemos que até entre nós vai crescendo a chaga da desinteligência, da ignorância, do obscurantismo, do desconhecimento, da insipiência, da insciência, da incultura, da incompreensão, da imperícia, da incompetência, da incapacidade. E que os arautos da burrice, da estupidez, da imbecilidade, da obtusidade, da idiotice, da inépcia, da leseira, da sandice, da tolice, da patetice, da palermice, da idiotia, do idiotismo, da estultícia, do dislate vão ganhando força. O que me surpreende é ver que os mais fracos e desprotegidos caem nas suas armadilhas.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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