Assinala-se de forma estranhamente modesta e quase envergonhada a data da morte de Václav Havel – ocorrida a 18 de dezembro de 2011. Talvez por ser escritor, o que não é valor acrescentado nesta sociedade inculta neoliberal, sempre ocupada com os seus mercados e analfabetismos crónicos e o seu desespero dos orçamentos para a cultura, que desdenham e contestam; talvez por ser dramaturgo e hoje o teatro é o último patamar das artes, quem sabe se a balaustrada de uma varanda onde alguns suicidas teimam em celebrar a vida; talvez…
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Folhetim por Licínia Quitério | Casa de Hóspedes (25º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério Casa de Hóspedes (25º. Episódio) A campainha da porta tocou uma vez, duas vezes. Dona Júlia acordou, levantou-se, em susto, olhou o relógio na mesinha, viu seis horas, corredor fora, quem será, quem será a umas horas destas, espreitou pelo ralo da porta, um polícia, credo, boa não é, abriu, reparou que estava em camisa de noite, que importância tem isso para um polícia a estas horas, devo ser parva, faça favor de dizer, é aqui que mora o guarda fulano, não senhor, aqui não mora…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Teatro Nacional
Crónica de Jorge C Ferreira Teatro Nacional Rossio, Lisboa, nove horas da manhã. Tão cedo para mim! Uma obrigação inadiável me levou até aqui. Já há turistas com guias a passear a manhã pela baixa. Está montada a iluminação de Natal para mais logo se acender. No Teatro Nacional, não reparei que peça estava em cena. Reparei num enorme cartaz que gritava: “A Arte Faz A Diferença”, nos anúncios de visitas guiadas, na livraria e pouco mais. Toda a minha atenção se virou para o acampamento dos sem abrigo. Cobertores,…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | O dia da Mãe
Crónica de Alice Vieira O DIA DA MÃE Alice Vieira Há um romance inglês muito conhecido, chamado “O Mensageiro”, que começa por uma frase que, se calhar, ainda é mais conhecida (e citada!) do que ele: “O passado é um país estrangeiro: lá, as coisas fazem-se de outra maneira” Apetece-me parafrasear, dizendo: “A Europa é um país estrangeiro: lá as coisas fazem-se de outra maneira” E isto a propósito de mudanças que nos são impostas, vá-se lá saber porquê. O Dia da Mãe, por exemplo. O Dia da…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Sorrisos velhos
Era o velho mais velho que todas as tardes cumpria, sem saber, a arte de fascinar-me. Eu era garoto, muito garoto, não entendia quase nada do que se passava à minha volta, mas sabia sem qualquer dúvida que o tempo em que existíamos era de podridão; vivíamos debaixo do capricho de um cérebro doente de um velho de outra espécie, sem escrúpulos nem patriotismo, que definhava com a pátria usando-a como um capacho, promovendo a sua miséria e a morte por opção. Ao outro velho, ao que conto agora, a…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Cores
Crónica de Jorge C Ferreira Cores Coloridas são as ideias que trazes na cabeça. Um caleidoscópio e um binóculo de ver amores. As meias berrantes que usavas. O cabelo de corte arrojado e uma cor que chamava olhos. Eram, no entanto, a variedade e a forma como os teus pensamentos nasciam que importavam e chamavam à atenção. O lápis. A mão ágil. O desenho a sair como se voasse. Um sortilégio. Uma quase magia. As mãos magras, delgadas, as unhas “arranjadas” e pintadas com a tinta da paleta. Os tubos…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado | O cano apontado – um texto de Natal
Crónica de Alexandre Honrado O cano apontado – um texto de Natal Certo chefe de redação – figura e categoria profissional que caiu com o uso, desgastado e tido por supérfluo – de um jornal que, na época, considerámos como uma referência, vaticinava que, um dia, nem na data impressa na capa daquele ou de outro periódico podíamos confiar, até porque as “gralhas”, na altura tipográficas, dizia ele, não perdoam. Uma das coisas mais comuns nos dias de hoje é o somatório das notícias falsas ou de uma ardilosa…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | Casa de Hóspedes (24º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério Casa de Hóspedes (24º. Episódio) No outro dia, Dona Júlia encontrou Lucrécia na rua e, sorrateira, olá, Menina, bons olhos a vejam, sentimos a sua falta ontem ao jantar, ah comi qualquer coisa em frente ao Coliseu, em pé, ao balcão, que não podia perder tempo, tinha de conseguir um lugar, posso saber o que houve lá por esses lados, pode, claro, como é que hei-de explicar, houve o maior e mais emocionante espectáculo musical que eu vi até hoje, Dona Júlia, cantores, poetas, músicos, sim,…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Procurar
Crónica de Jorge C Ferreira Procurar Procurar, procurar, procurar. Muitas vezes uma busca cega, porque cega é a vontade de chegar ao apetecido, ao sonhado, ao desejado. Por vezes apetece desistir. Não sei se por o sonho ser demasiado ou a força fraca. As mãos abertas, os braços esticados. A tentativa de encontrar primeiro o todo que parece esquivar-se em golpes mágicos. Não vos vou dizer se é uma mulher, um homem, um feitiço, uma obra. Um encanto será por certo para merecer tal porfia. Esta teimosia de alcançar o…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | A Universidade dos quadradinhos
Crónica de Alice Vieira A UNIVERSIDADE DOS QUADRADINHOS Alice Vieira Existe neste nosso mundo uma universidade popular e livre que, à margem dos ensinos oficiais e programados, enche de uma especial sabedoria as mais diversas camadas da população. Não dá diploma, não assegura emprego nem reforma—mas dá ao rosto de quem a possui um halo de beatitude que geralmente só transpira do coração dos iluminados. Para além de, como afirma a minha psicóloga, dar uma grande serenidade a quem está à procura dela. Refiro-me à sabedoria das palavas…
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