Crónica de Jorge C Ferreira | As Festas e os Bailes

Crónica

 

As Festas e os Bailes
por Jorge C Ferreira

 

O frenesi dos bailes de finalistas. Os vários espaços que se percorriam. O Espelho de Água, as Belas Artes, até em barcos ancorados no Tejo. O baile da chita. Bailes com mais alguma liberdade. As tentativas de entrar sempre sem pagar. Os bares cheios.

Os vários conjuntos da época, a música ao vivo: O Quarteto 1111 com o fantástico José Cid, o Quinteto Académico Mais Dois apenas com um português o meu Amigo Zé Manel Fonseca, exímio saxofonista, os Sheiks, os Jets, o Conjunto Académico de João Paulo, os Chinchilas com o famoso Phill Mendrix, o meu vizinho Fernando Conde e os seus Electrónicos, Victor Gomes e os seus Gatos Negros, também conhecido por Victor Negro e os seus gatos Gomes e muitos mais. Toda esta gente tocou para nós dançarmos e nos divertimos. Eram momentos de alguma liberdade.

Com o Quinteto Académico Mais Dois, e devido à Tarantela, havia um conhecimento estreito. Esse conhecimento levou a que alguns de nós, três ou quatro, começássemos a ir com eles para todo o lado. Montávamos a aparelhagem e também a carregávamos. Lembro-me da monstruosidade do órgão Hammond do Mike Carr, um tormento. Foi assim que assisti ao primeiro Zip-Zip em directo e que aos fins de semana percorria muita terra. Em Guimarães estávamos a jantar num restaurante quando nos aparecem jovens a pedir autógrafos. Já não me lembro quem passava-me também o livro de autógrafos e eu tinha de assinar uns rabiscos indecifráveis. Quem ainda os tiver fique a saber que eu nem ferrinhos tocava.

desaguo

Essa viagem para Guimarães, feita numa carrinha “pão de forma” carregada de material foi histórica. Quem guiou todo o caminho, ainda não havia autoestradas, foi o Adrien. Uma longa e incómoda viagem. Nada que a nossa juventude não aguentasse. Sucede que estávamos perto de um dia de peregrinação para Fátima e durante o percurso encontrávamos peregrinos por todo o lado que caminhavam pelas bermas da estrada. O Adrien Ransy, que era belga e não entendia nada de Fátima nem da fé, levou todo o caminho espantado com tudo aquilo e a querer saber o que fazia e para onde ia toda aquela gente. Lá lhe fomos explicando. Mas ele cada vez entendia menos e achava que o mundo estava a enlouquecer. Foi assim que a viagem se fez mais curta. Muita risada e muita asneira sem sentido. Era necessário que o tempo passasse.

Depois do espectáculo/baile era desmontar e carregar tudo de novo. Normalmente nos bastidores havia sempre algo para comer e para beber, o que confortava o esforço. Uma experiência única.

Ir com o conjunto e fazer, até certo ponto, parte dele, o nosso modo um pouco diferente de vestir, o não sermos dali, dava-nos uma certa visibilidade que era muito apreciada por muitas meninas. Eram sempre agradáveis  estas viagens e estas festas. Namorava-se muito por uma noite, por um dia, por um instante. Tudo era muito e sabia a pouco. As viagens de volta eram muito mais cansativas. Por vezes tínhamos a sensação de que tínhamos perdido um futuro por falta de tempo. No entanto, no dia seguinte, estávamos prontos para nova aventura. Aquele tempo em que nos julgamos imortais. Aquelas inúmeras vidas que julgamos ter. A nossa ânsia de viver.

«Tu, olha que coisas lindas aqui contas! Não tens vergonha?»

Fala de Isaurinda.

«Foi um tempo, minha querida, tudo vivido no tempo certo.»

Respondo.

«Bonito, não haja dúvida. Tu devias era estar caladinho.»

De novo Isaurinda e vai, a benzer-se com a mão direita.

Jorge C Ferreira Março/2022(339)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velhinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira


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22 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | As Festas e os Bailes”

  1. António Feliciano Pereira

    Compreendo que a Isaurinda se refugie na benzedura: é demais para ela, fazer um esforço enorme para compreender os pecadilhos da juventude!
    Deveria fazer-lhe uma homenagem!
    Um abraço, Jorge!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado António. Será sempre alvo de todas as homenagens. Homenagens que, aliás, merece. Um abraço grande

  2. Coutinho Eulália Pereira

    Mais uma bela viagem no tempo. Tudo vivido no tempo certo.
    Que bom ter estas memórias da juventude.
    Tempos loucos de mudança. Tão diferentes para rapazes e raparigas, a quem tanta coisa não era permitida.
    Regressei ao tempo dos bailes de garagem. Havia sempre alguém com gira discos e a música não parava. O país inteiro rendeu-se aos conjuntos, que começavam a aparecer. Enchiam de sonhos os jovens.
    Hoje ficam as memórias desse tempo maravilhoso.
    Que privilégio pertencer a esta geração.
    Obrigada, amigo, por estas crônicas únicas.
    Um livro de memórias de infância e juventude seria maravilhoso.
    Um abraço.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Eulália. Sim uns tempos que foram mudando o mundo. Tem razão quanto às mulheres. Muitas continuavam fechadas esperando noivo. Mas vimos tanta coisa mudar! Abraço

  3. Maria Luiza Caetano Caetano

    Mais uma viagem no tempo, da sua juventude fantástica, bem vivida. Ao ler andei para trás e senti-me naquela época. Mas logo voltei á realidade. Saudades da juventude.
    Sei que era assim, para os meninos. Para as meninas, tudo era mais moderado. Também fui algumas vezes ás Belas Artes, nos finais de curso, nunca perdia. O que eu adorava dançar. Mesmo assim, com as restrições da altura, não tenho que me queixar. Bem sabe que era assim. Sorte a sua. Viveu em pleno bons momentos, desses maravilhosos anos. Foi feliz.
    Que bom dar continuação ás suas memórias. É sempre um bom momento de escrita excelente. Adorei.
    Abraço imenso.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria Luiza. Tempos que foram muito nossos. Sempre em busca de liberdade. As festas que nos enchiam de júbilo. Que bom ter dançado e gostar de dançar. Abraço

  4. Claudina silva

    Fomos felizes querido Poeta! Belos tempos! Viver não é fácil mas é muito belo! Como sempre adoro as tuas crônicas! Beijinhos de Parabéns

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Claudina. Viver é uma aventura. Uma perigosa montanha russa. Sim, vivemos momentos muito felizes. Um equilíbrio difícil de conseguir. O desejo e a vontade.

  5. Regina Conde

    Muitas aventuras e gargalhadas terás para nos contar. Imaginação e vontade de viver sem horas. A sensação de perderem o futuro por falta de tempo. Maravilha. Abraço meu Amigo.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Regina. Rir, gargalhar, das melhores coisas do mundo. Arriscar e ser feliz um objrctivo quase louco. Correr todos os riscos e viver. Abraço

  6. Cristina Ferreira

    Ainda nos consegues surpreender, seu maroto. Com que então uma espécie de banda!! E nem tocavas um instrumento. Imagino as malandrices. Tudo tão bom. Até consigo sentir que também fiz parte dessas aventuras. E o baile da chita, há anos que não ouvia falar dele. Tantas aventuras e descobertas contadas por ti, são de uma ternura impar. Abraço enorme, poeta.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Cristina. Tempos diferentes, aventuras nossas. Vidas a girarem a uma velocidade louca. Era esse tempo ou nada. Um abraço

  7. Cecília Vicente

    A continuar, terás certamente uma exemplar memória que dava um livro único, eu gostava de o ter na minha biblioteca. Sempre fui menina da cidade e lembro-me bem quando passava uns dias com as primas na terra pequena e levam-me ao baile como se tivesse já idade e não passava de uma adolescente, e na idade da inocência, ou não, eu armava-me aos “Cucos” achando tudo muito ” saloio” tempos de juventude com mania de menina da cidade, enfim, tempos idos onde as primas me recebiam com ternura e curiosidade. Estou como a Isaurinda, tempos loucos os teus. Ainda bem, assim podemos usufruir com gosto a leitura das tuas crónicas. Abraço, meu amigo!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Cecília. Que bom ter-te aqui. A loucura própria da juventude. Tentar ultrapassar os limites estipulados. Aprendermos a ser livres. Grato por me leres. Abraço

  8. Ivone Maria Pessoa Teles

    Tantas recordações, tantas “viagens ” que fazemos contigo. És um Homem inquieto e eras um rapaz ( pilantra, disseste tu ) também inquieto. Gostei imenso desta crónica e até me pareceu que foi cedo que começaste como ” andarilho “. Talvez de tanta experiência te formaste no que ÉS e tanto nos ofereces. Beijinhos ternos e amigos.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Ivone. Que bom saber que viajas a meu lado. A nossa aventura ainda não acabou. Temos muito caminho pela frente. Sabes que espero por ti. Abraço

  9. José Luís Outono

    Uma vez mais o que me fizeste lembrar nessas andanças da música que fazia parte da nossa identificação.
    Momentos de “liberdade”, como destacas onde procurávamos à taxa zero o empenho o conhecimento e a amizade.
    Quem sabe se nos encontrámos nesse mar sempre presente onde criávamos ondas de empenho … livremente.
    Ela tem razão, tens histórias tão bonitas.
    Grande abraço, meu amigo!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado José Luís. No mar cruzam-se todas as vidas. Por certo nos vimos e passámos um pelo outro como suaves brisas. Foram os nossos tempos. A busca da felicidade. Abraço

  10. Filomena Geraldes

    Jorge, eras feliz?
    Só isso importa e é a ilação que eu tiro depois de ter lido a tua crónica.
    Era o tempo das festas. Dos concertos. Dos bailes de garagem.Dos grupos portugueses
    que começavam a dar que falar. E dos estrangeiros que nos visitavam.
    Os grupos de amigos que se juntavam e acompanhavam as bandas em digressão.
    Era uma juventude que queria viver. Com entusiasmo. Com excessos. Noites mal dormidas. Comer enlatados. Dividir o que se levava nas mochilas. Dormir ao relento ou em barracas.
    Tudo era motivo para rir. Namorar. Beijar. Fazer amor. Ouvir música até às tantas. Dançar. De pés descalços. Enganar o sono. Fumar. Desligar da rotina.Não cumprir horários. Vestir o essencial. As gangas.
    Fazer novos amigos. Enganar o cansaço. Ter outra vez vinte anos! Ser feliz!
    Ainda me recordo do Festival de Vilar de Mouros.
    Princípio dos anos 80.
    Eu, o meu namorado e um amigo. Uma barraca de campismo. E uma aventura que jamais esquecerei.
    Dançar de pés descalços.
    A vida é feita de memórias.
    O amanhã? Nem sei.
    Só o hoje é real.
    O nosso escrevinhador continua a levar-nos nessa viagem. No tempo. Dita o que experimentou. As sensações. A satisfação de ser ele próprio. De se exteriorizar. Pactua recordações muito pessoais. Dá-nos o previlégio de o seguir. De ir por esse longo corredor onde se amontoam imagens. Distantes.
    Tão distantes…
    A memória é um dom.
    Jorge é um dotado e convida-nos para a festa da vida.
    Jorge. Eu sei. Eras feliz!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Mena. Com crónicas respondes às minhas crónicas. Uma alegria ler-te. O que é a felicidade? Acho que é algo que sempre buscamos. Foram tempos de muitas mudanças. A minha gratidão pelos momentos felizes do que escreves. Abraço

  11. Branca Maria Ruas

    Memórias de uma juventude rica em experiências. Memórias de uma geração que marcou os tempos. As grandes mudanças. Na música, na moda, na diversão, nos relacionamentos, nos costumes. Para nós, aqui em Portugal, os anos que antecederam a Liberdade. Já lhe sentíamos o cheiro. Tempos de saudável loucura.
    As coisas que nós já vivemos…!!!
    Obrigada por esta viagem no tempo!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria. Sim, a busca incessante da liberdade. O que vimos mudar minha Amiga! Nas relações e a partir daí em tudo. A Reveldia. A vontade de mudar. O quê? Tudo. Abraço

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