Crónica de Alexandre Honrado – Tirem-me daqui

Abril entre cravos: Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Tirem-me daqui

 

Nada sei das mulheres afegãs. Deixei de ouvir falar dos assassinos talibã, do absurdo da sua governação, desse rosto estranho e barbudo do nazismo, dessa careta fundamentalista, um dos muitos esgares do nacionalismo no mundo.

Nunca mais ouvi falar das meninas do povoado de Chibok, no norte da Nigéria, 276 estudantes de uma escola local que foram sequestradas por militantes do grupo extremista Boko Haram. O mundo, com eu, perdeu-lhe o rasto por trás de um encolher de ombros vergonhoso.

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Nada sei dos massacres feitos por militares de Mianmar sobre inocentes civis.

Nada sei das mortes que se sucedem no Sudão do Sul,  devido a confrontos entre os apoiantes do partido do Presidente – SSDF – e os seus adversários do movimento do vice-presidente – SPLM/A-I0 (entre 2013 e 2018. O país entrou numa guerra civil sangrenta entre os apoiantes de Riek Machar e de Salva Kiir que provocaram cerca de 400 mil mortos. Um acordo de paz assinado em 2018 estipula que Salva Kiir é o Presidente do país, enquanto o seu adversário Riek Machar é o vice-presidente). Afinal, mais uma guerra estúpida à superfície do planeta.

Perdi a noção do que se passa realmente em Moçambique,  dos confrontos entre insurgentes e as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas, as FDS.

Desconheço o que se passa com os curdos, na Turquia, ou os desenvolvimentos do que se passa na Palestina.

Nunca mais ouvi falar das disputas de território conhecidas pela Disputa de fronteira sino-indiana, que mantêm em estado de guerra a China e a Índia, com militares ativos nas zonas reivindicadas pelas partes.

Não me chega informações da violenta guerra entre a Etiópia e o Tigré (que é, afinal, uma das nove regiões da Etiópia a querer a sua autodeterminação).

Perdi o rasto à Guerra no Alto Carabaque , que envolve o Azerbeijão, a República Nagorno-Karabakh e a Arménia.

Não vi nada na imprensa portuguesa sobre a guerra separatista nos Camarões, que envolve também a Ambazónia…

Também não sei nada dos confrontos de Kasaï-Central (duram de 2016 até ao presente), entre a milícia Kamwina Isapu e a República Democrática do Congo.

Acho inútil continuar a escrever isto. Sou europeu e temo pela ação imperialista, nazi, que Putin lidera contra a Ucrânia. Sei que vai encher os noticiários nos próximos tempos.

Sou uma criatura chata. Tire-me daqui!

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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