Crónica de Jorge C Ferreira | Estado de Emergência II

Jorge C Ferreira

Estado de Emergência II
por Jorge C Ferreira

 

Ninguém sabe de ninguém. Um vazio que nos enche os sentidos. Nem um ruído. O absoluto silêncio. Não, não moro num bunker. Moro num “modesto rés do chão” sem vista para o mar. De novo o Estado de Emergência. De novo a dura mão. Que fizemos mal?

Algo se passou que quem devia ver não se apercebeu. Quem não preveniu esta nova vaga? Não quero arranjar culpados. Só pretendo contribuir para as soluções. Nunca infringi qualquer regra. Eu sei que há quem seja relapso nestas coisas. Existem os negacionistas e existe muita gente que pensa que isto só acontece aos outros. Os malandros com esquina têm, agora, outro modo de viver.

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Sempre acreditei nos cientistas. Sempre duvidei das multinacionais farmacêuticas. É nesta corda bamba que me tento equilibrar. Sei de grupos muito importantes que tentam dominar a economia e o mundo. Lembro-me, por vezes, daqueles filmes onde chegar ao chefe da rede era quase impossível. Mas isto é como ir ao médico e ter inteira confiança nele. Tudo se torna mais fácil.

Não gosto de falar de política pura e dura. Já devem ter reparado que raras vezes aqui o fiz. Quero falar do que se vive neste atribulado mundo. Quero falar de tudo o que ataca sempre os mais frágeis, sempre os mesmos. Podem contar comigo sempre do mesmo lado da barricada. Será sempre com os desprotegidos que me verão a desfilar. Já sou velho para mudar.

Temos de ser cada vez mais solidários. Temos de acreditar em todas as medidas que consideramos correctas para o bem geral. Isso não quer dizer que as aceitemos acefalamente. Temos o direito de as questionar e de ser elucidados.

Preocupam-me os Hospitais e a sua capacidade de resposta. Os lares. Os grandes eventos. Dizem que vem aí a vacina. Um anúncio que se vai prolongando no tempo. Eu pergunto também por um medicamento – (antiviral) – que torne o bicho inócuo. Todos começamos a ficar ansiosos. A ansiedade é uma doença perigosa. A seguir aparecem os ataques de pânico, a depressão. A doença mental deve ser outra frente que não podemos descurar.

Depois temos todas as outras doenças. Os doentes que esperam um tempo desajustado por uma primeira consulta. Para mim era tempo de os Hospitais Privados se oferecerem perante uma remuneração justa para colmatar determinados serviços. É isso que se espera de pessoas com responsabilidades na sociedade onde vivem. É um contributo que tarda e que deveria ser disponibilizado mesmo sem qualquer acordo terminado.

Eu sei que há outra coisa que já devíamos ter aprendido: que a promiscuidade dos médicos entre o sistema público e privado deve terminar. Que os ordenados e os contractos praticados pelo sector público deve ser revisto de alto a baixo. Que o corporativismo herdado do caduco “Estado Novo” não é uma boa ajuda. Tanta coisa que ainda não conseguimos resolver após quarenta e seis anos de liberdade. Que esta situação sirva para, de uma vez por todas, acabarmos com determinadas coisas. Não esquecer a justiça. Tudo feito em Liberdade e com contraditório.

Hoje estou chato. Vou cumprir as medidas que foram indicadas. Vou beber mais café de cafeteira. Vou estar por casa com a Isabel. Vamos tentar resistir. Já somos pessoas de risco. Eu mais. Nasci no último ano da primeira metade do século passado. O que já vi acontecer!

Cuidem-se meus Amigos. Abraços.

«Estavas chato, mas acabaste bem.»

Fala da Isaurinda.

«Mas, reconheci. Obrigado por dizeres que acabei bem.»

Respondo.

«Também era melhor, o que esses senhores te aturam!»

De novo Isaurinda e vai, na mão fechada um sorriso trocista.

Jorge C Ferreira Novembro/2020(276)

Jorge C. Ferreira
Define-se a si mesmo como “escrevinhador” . Natural de Lisboa, trabalhou na banca, estando neste momento reformado.
Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence;
Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019.

 


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16 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Estado de Emergência II”

  1. Jorge C Ferreira

    Obrigado Regina. Tentei que fosse. Precisamos de ter coragem. Resistir. Tens razão em muito do que dizes. A doença mental alastra. Abraço Grande

  2. Cristina Ferreira

    Uma excelente e muito lúcida crónica.
    Obrigada por estares aí. Abraço
    Cristina

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Sempre bomler-te aqui. Grato pela tua presença. Abraço

  3. António Feliciano de Oliveira Pereira

    Boa Crónica, como sempre. Tudo o que disse e com verdade resume-se a “uma guerra entredois mundos” e os satélites que os apoiam, ajudando a matar milhões com benefícios para alguns. Com que direito temos que sofrer pelos desmandos dos loucos que dominam o Planeta!
    Assim, não vamos a lado nenhum e sepultam-nos vivos!
    Um abraço, Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado António. Que estanho mundo. Temos de colocar no centro de acção o aspecto sanitário. Resistor. Abraço

  4. Mena Geraldes

    Jorge.
    Não podia estar mais de acordo. Com a tua reflexão. Tudo o que escreveste é legítimo. É a realidade que vivemos.
    Apreensivos. Eis como estamos. Os hospitais públicos à beira da ruptura. Os profissionais da saúde exaustos e, muitos deles, infectados.
    Os privados no seu pedestal. Trata-se quem tem meios. E os outros?
    Há quem diga que já se escolhe entre quem deve viver e quem pode partir…
    É isto que nos atormenta.
    Tamanho desvario…
    Tamanha crueldade…
    Chega a ser insano…
    Eu também estou em risco… Mas, não estamos todos???
    A vacina? Que vacina? Se a fase de experimentação é sempre longa e sem um fim à vista?
    Que futuro? Digo eu…
    Posso acrescentar que já vivi. Muito. E fui uma privilegiada.
    Na Idade Média, a média de vida era relativamente curta.
    Com o avanço da ciência e da medicina, as pessoas passaram a ter uma maior longevidade.Passaram a alimentar-se melhor e a usufruir de mais cuidados de saúde.
    O que dizer, agora, sobre os nossos jovens? As pessoas mais carenciadas? As crianças que estão atreitas a infecções que fazem colapsar todos os órgãos? E ainda, os lares onde as pessoas de mais idade estão a ser “devoradas” por este medonho vírus?
    Tantas as questões. Tão escassas as respostas…

    Jorge.
    Sempre este meu particular comentário, só para ti.
    Porque te admiro. E à tua energia. Ao facto de não deixares nada por dizer.
    És um homem com o dom da palavra e não há receios que te impeçam de ir muito além do “politicamente correcto” .
    Informado e revoltado insurges-te contra o que a maior parte de nós cala e omite.
    Por isso, também, o meu respeito, apreço e consideração. Nunca te deixes amordaçar!
    O “chato” fica-te bem…

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Mena. Sempre presente. Uma voz única. Uma entrega. Sabes o importante que é para quem escreve ter estes comentários. A importância da tua voz neste espaço é muito importante. Grato. Abraço

  5. Cecília Vicente

    Meu amigo

    Mesmo em estado de emergência creio que estás bem e a tua Isabel também, só posso acrescentar que continues a te proteger por ti, por todos. Tal como tu estou há muito em emergência, até demasiado, circunstâncias várias que como alguém via TV diz : Isso agora não interessa nada; mas interessa, tornamo-nos obedientes, guardamos os afectos para quando se puder e se pudermos. Dou por mim mexendo e remexendo em papeis e livros, desconcentrada, até com a cabeça na lua, como a minha mãe dizia: andas aluada, é verdade, deixei de sentir, algo incomodo me aflige e nem tem nome, ou se calhar tem, eu é que tento dar-lhe desprezo. Sabes tal como eu porque estamos atentos a novas palavras que vão surgindo, tais como, geringonça, espectável, corrupção, esta não conta, é demasiado antiga. Chega! esta faz com que estremeça, faz-me ter medo, há aventuras que espreitam e avançam, tu sabes, estiveste nesse lado do tempo. Gostaria de usufruir e gritar BASTA como a nossa amiga MAFALDA, ela tinha o poder de dizer verdades. Reli a tua crónica, que mais nos pode acontecer? mudar de cadeiras resolveria o quê? Quem pode ? Vamos aguardar… Meu amigo, continua tu e a Isabel no remanso do vosso canto,certamente terão muito que reviver tantos momentos. Abraço gigante!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Que texto! Que bom. Só acho que devemos exigir ser bem infornados. Essencialmente por especialistas. Que os políticos tenham coragem para tomar as medidas correctas. Grato por estares aqui. Abraço enorme

  6. Eulália Pereira Coutinho

    Crónica excelente. A realidade que vivemos.
    Estamos do mesmo lado da barricada, meu amigo.
    A situação agrava-se. Os hospitais atingem o limite.
    Há quem queira continuar a insistir que tudo não passa de mentira. Os oportunistas proliferam.
    Os laboratórios entram na corrida pela vacina.
    Os interesses põe em causa os valores e a dignidade humana.
    Que mundo este, meu amigo.
    Vamos continuar confinados, ainda com mais cuidado, porque somos pessoas de risco. A idade é um risco.
    Cabe a cada um de nós cuidar de si próprio. Só assim poderemos cuidar e ajudar os outros.
    Obrigada por estar desse lado.
    Um abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Belo comentário. Tudo tão lúcido. Temos de cuidar dos que não têm capacidade de se cuidar. É tão gratificante tê-la aqui. Abraço Grande.

  7. Branca Maria Ruas

    Tens toda a razão, Amigo Jorge!
    Eu também, tal como tu, estou a cumprir a minha parte. Estou em casa desde 5ª feira e amanhã só vou sair porque tenho uma consulta.
    Mas sabes o que me assusta? São os negacionistas e as teorias de conspiração.
    Tenho lido tanta que me aflige ainda mais que o vírus. Porque esse, daqui a algum tempo, há-de nos dar tréguas. Mas as mentalidades de quem não respeita estas medidas não muda. E isso preocupa-me muito!
    O Trump perdeu as eleições mas todos (e foram muitos) os que votaram nele, vão continuar a defender as mesmas ideias.
    Enfim…
    Hoje, se a Isaurinda me ouvisse, diria que estou chata.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria. Nada chata. Tens toda a razão temos os que se julgam imortais., os que por vezes nos inibem de ir a alguns sítios. Espero que o Trump se vá esvaziando. Ter sido derrotado e não aceitar foi o melhor que podia acontecer ao mundo.

  8. ivone Teles

    Meu Amigo Jorge, querido Irmão, é um desabafo tão justo a tua crónica desta semana em novo ” estado de emergência.”. Quase nem se respirou do fim da ” primeira vaga ” da infecção e, já estávamos na segunda.. Medidas apareceram a apertar-nos mais do que já estávamos. A economia também nos aperta e eu lembro de tantos que estão a passar muito mal. Releio o teu texto e sublinho tudo. Tens toda a razão no que escreveste. Sei-o na pele em relação à situação do Joaquim. Trabalhei 36 anos num Hospital de Ponta, Universitário, e que face à pandemia não consegue dar resposta a outras situações. Fomos à Privada. Atendimento rápido, exames na hora, mas sem resultados visíveis, Não digas que és, ou estás chato. Estás, como sempre, lúcido. Estamos num tempo em que a lucidez não interessa. Tens ” carradas de razão ” e muita lucidez. Beijinhos.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. Tento usar este espaço do melhor modo que sei. Espero sempre o teu comentário que tão bem me faz. Sei do que falas. Sei do quanto têm sido “abandonados” os doentes não Covid. Estamos a viver nun mundo estranho. Abraço

  9. Regina Conde

    A lucidez é uma constante nesta crónica. Que dias difíceis vivemos. Referes outra doença que está a evoluir em paralelo. Comportamentos mentais já dolorosos. A doença que fica para o fim. Não existe vacina, nem médicos disponíveis. Eles também são gente. Vamos continuar confinados sem tempo, com horas definidas por quem manda. Meu amigo não te trates por velho. Um abraço enorme Jorge.

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