Crónica de Jorge C Ferreira | Que Mundo?

Jorge C Ferreira

      Que Mundo?
     por Jorge C Ferreira

 

Aterrar neste tempo e neste Mundo. A loucura a passear pelas ruas das cidades. Um tempo em que é necessário pensar. Para onde nos querem levar? Que caminho é este? Um tempo de espera. Mas um tempo em que não podemos desarmar. Temos de agir quando for necessário.

Um joelho, nove minutos, calcando o pescoço de um ser humano algemado e imobilizado. A cara do algoz impassível. Uma mão na algibeira. Ajeitando o joelho para poder causar o pior. O assassinato foi conseguido. Tudo por uma alegada nota de vinte dólares falsa.  Mais um negro assassinado pela polícia que era suposto proteger a população. Que vergonha!

Passear nestas ruas. Ruas onde passam procissões de máscaras, viseiras e luvas. Um palco enorme. Um palco do tamanho do mundo. Um palco onde os loucos não são actores a fazer de loucos, são loucos que estão à frente de nações.

Serão mesmo loucos? Alguém me interpela. Pois, na volta não. Serão actores a fazer de loucos e a interpretarem papéis escritos por outra gente? Quem escreve tais barbaridades?

Sabemos que há gente para tudo. Sabemos que há quem seja capaz das mais maquiavélicas acções. Sabemos tanta coisa. Sabemos das guerras iniciadas e feitas em nome de mentiras. Todos conhecemos mentirosos compulsivos.

Bolsonaro passeia-se a cavalo. Trump sai do bunker após mandar limpar a rua de manifestantes, com gaz lacrimogénio e balas de borracha, e sai com o seu ar  gabarola para tirar uma fotografia de bíblia na mão. Salvini grita nas ruas de Roma e manda rasgar máscaras. É este o Mundo que nos desacolhe. Um Mundo que vai começando a arder lentamente.

250xNos vários Estados da América do Norte as manifestações repetem-se, seguidas dos inevitáveis saques. As televisões repetem as mesmas imagens em dias diferentes. Um massacre que vai dando cabo dos mais fracos.

Também na Europa as manifestações começam a aparecer. Populações que vão acordando e vêm para a rua gritar contra a injustiça. Um brado que vai crescendo. Há quem  grite as suas ideias na esplanada de um café. Há quem já tenha rasgado as máscaras.

A fome e as necessidades vão crescendo nos países mais pobres. Um terreno propício para a caridadezinha. Para quando uma renda única de subsistência e acabar com todos os peditórios. Quando nos daremos ao trabalho de fazer as contas e saber quanto mais civilizada e mais rentável seria, ou não. esta situação.

Nove minutos calcando com o joelho o pescoço de alguém com a mão na algibeira. Ignorando os pedidos de clemência do assassinado. Aquela frase que me continuar a ecoar na cabeça: não consigo respirar! Não consigo respirar! O joelho continuou a procurar a melhor posição para fazer o pior. Tudo feito até ao fim numa bravata de cobarde.

Custa tanto tudo isto. Faz doer. Amassa a vida. Depois da escravatura e das cartas de alforria, da coragem de Rosa Parks, da marcha de Martin Luther King, do “I have a dream”, do Black Power, dos punhos erguidos com luva preta no pódio dos jogos olímpicos, de Nelson Mandela e os seus ensinamentos únicos, a sua capacidade enorme de perdoar, da esperança em Barak Obama, depois de tudo isto continua a mesma cegueira. A cegueira de quem não quer ver. É tempo de acordar.

«Olha, meu querido, custa-me tanto ver aquelas imagens. Um irmão meu. Não merecia morrer assim.»

Voz de Isaurinda.

«Este foi o mais recente, que nós conhecemos, de muitos. Algo tem de mudar.»

Respondo.

«Espero que te oiçam. Tenho dúvidas.»

De novo Isaurinda e vai, um lenço a limpar as lágrimas vadias.

Jorge C. Ferreira
Define-se a si mesmo como “escrevinhador” . Natural de Lisboa, trabalhou na banca, estando neste momento reformado.
Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence;
Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019.

 


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10 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Que Mundo?”

  1. Cristina Ferreira

    Uma crónica muito lúcida, como aliás, já nos habituaste. Lúcida e carregada de dor. Uma dor que nos sufoca a todos. Uma dor que nos leva a questionar que mundo este. Olhando para a nossa História, sentimos que nada evoluímos e que estamos a ser governados por verdadeiros loucos.
    No entanto, e na tua crónica de excelência, está a voz de tantos de nós. Não podemos baixar os braços e mesmo assistindo a tanta ignorância e infantilidade, é nosso dever continuara a lutar. Uma luta contra o racismo e contra o fascismo.
    Dá força à Isaurinda para que não desista, Jorge e obrigada uma vez mais pela tua voz.
    Abraço.
    Cristina

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Uma luta de séculos. Vamos avançando, passos firmes. Um difícil caminho. Vamos avançar. Nunca desistir. Abraço

  2. Susana Canais

    A vida, a liberdade, os direitos, tudo de pernas para o ar e os verdadeiros loucos a cometerem atrocidades impunemente. Sempre atenta a sua crónica Jorge, um abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Susana. Que bom vê-la aqui. A liberdade, a justiça. Todos diferentes todos iguais. Abraço

  3. Branca Maria Ruas

    Que mundo é este?
    Violência, desigualdades, injustiças, fome,…
    Arrepia-me pensar na dor de quem sofre. Nos campos de refugiados, nas mães que não têm com que alimentar os filhos, no ódio, nos extremismos geradores de violência.
    Dói-me pensar nas crianças que sofrem, nos idosos abandonados, nas mulheres assassinadas pelos homens que se julgam seus donos.
    Que mundo é este?
    Sonhei que as desigualdades se iriam atenuar, que todos poderiam viver com dignidade. Sonhei com um Mundo Livre e em Paz e foi julgando esse sonho possível que ousei pôr um filho no mundo. Nasceu-me uma filha e não era este o mundo que lhe queria mostrar…

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria. Minha leitora e revisora. Temos de continuar a luta. Tanto tempo e ainda isto. Nunca desistir. Abraço

  4. Teles Ivone Teles

    Que bela a tua crónica, meu querido amigo. Tempos de loucura começam a querer esmagar este planeta. Eu nem queria acreditar no que estava a ver. Só um louco criminoso mata, assim, seja quem for, Ele sabia que, quanto mais carregasse mais sofrimento causava, Talvez tivesse abrandado, quando já não havia súplicas porque a morte acabaria por chegar. Como se a cor de alguém fosse razão para tamanho ódio. O principal louco daquele país, é um louro criminoso.
    Noutro país, outro louco forja, à semelhança deste, mentirosas leis que também matam por um qualquer motivo e por ” motivo nenhum”. E ambos se escondem atrás de Bíblias e IURDs, como se isso justificasse as barbaridades.
    Os exemplos de coragem em inverter estes genocídios e que, tão bem, apresentas, GENTE que fez História positiva nos seus países, são para os outros uns ” patetas “. Temos de continuar a lutar pela PAZ, Igualdade, Fraternidade, para um MUNDO MELHOR. E não podemos cruzar os braços. É urgente, muito urgente.
    O teu texto diz TUDO. São tempos maus estes. Dá um beijo à Isaurinda, por mim. Um beijo para ti, meu Irmão, meu Amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone, minha querida Amiga/Irmã. Estamos a passar um tempo difícil. Vamos conseguir vencer. Vamos derrotar esta gente sem carácter. Beijinhos

  5. Eulália Pereira Coutinho

    Que mundo este, meu amigo. Imagens qie não esquecem. O poder levado ao extremo. Os loucos a governar o mundo. Loucos cobardes que continuam de cabeça erguida. Como é possível continuarem estas atrocidades?
    O planeta em desintegração total de valores humanos.
    Obrigada meu amigo por continuar a dar voz à violação dos direitos humanos.
    Um abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Nunca desjstir. Nunca dobrar a cerviz. Lutar sempre. Vencer. Abraço

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