Crónica de Alexandre Honrado Um mictório faz sempre falta Silva não gosta de liberalizações. De tudo um pouco e mais alguma coisa e a indignidade tece-lhe oposição; acorda com urticária e deita-se num palacete que remodelaram para as suas necessidades. A vida assim até parece fazer-lhe sentido. A palavra necessidades enerva-me e só me acalma quando penso na fonte revolucionária de Duchamp, um urinol, um mictório de porcelana que o próprio comprou barato para remodelar como peça de arte. Isto foi em 1917, mas todos os mictórios me…
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Crónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Uma avaria
Uma avaria por Licínia Quitério – Uma avaria grande. Tem de ir um camião buscar uma peça. Previsões não dão. Foi esse o dia em que falaram a dois, a três, a quantos iam chegando. Os que passavam falavam com quem se encostava às ombreiras. Do lado de fora da porta, como nunca se vira. As casas iam arrefecendo e felizmente cá fora havia sol. Melhor ficar por ali, num remanso forçado, a desatar as falas tão guardadas que nem se sabia que existiam. Quem havia de dizer…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Lembram-se dos Ballet Rose?
Lembram-se dos Ballet Rose? Por Alice Vieira Se há programa que eu nunca perco na televisão são as transmissões da Volta a Portugal. Sempre gostei muito de ciclismo, desde os tempos do Alves Barbosa que, para além do mais, era um galã e até foi personagem principal de um filme, “O Homem do Dia”, realizado em 1958 por Henrique Campos. Do elenco faziam parte grandes atores daquele tempo como, por exemplo, Maria Dulce, Costinha, Armando Cortez, Alina Vaz, Mário Pereira, e outros. Foi um grande sucesso, mas uma…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Herberto (porque sim)
Crónica de Alexandre Honrado Herberto (porque sim) Herberto Helder, leitura de sempre, leitura de verão. A matriz insular de Herberto Helder define-lhe o tempo. Porção de homem rodeado de mitemas por todos os lados, construindo sempre, mais ou menos por opção o (seu) mito resistente. Como uma ilha e a água que a rodeia ou um poema (ilhado) no sentir. Tudo o que somos, reflete-se não só na nossa relação com o tempo mas também com o espaço, e com os outros. Quando as palavras chegam ao pensamento…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Uma Aventura
Uma Aventura por Licínia Quitério Era Inverno e eu perdia-me no jardim-floresta com as miúdas. Levava-as (levavam-me?) a uma aventura, daquelas dos livros que eu lhes comprava. Nesse tempo, a manta morta entre as árvores era o país dos duendes, verdinhos, de grandes gorros e orelhas que neles não cabiam. Tínhamos cuidados para não os pisar. As miúdas levantavam os pezitos e às vezes estatelavam-se e magoavam os joelhos. Nada de importante, nada de choros. Uma aventura é uma aventura e se uma silva nos arranha as pernas…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Lembram-se dos Ballet Rose?
Lembram-se dos Ballet Rose? Por Alice Vieira Em Dezembro de 1967 rebentou em Lisboa um dos maiores escândalos do tempo da ditadura, que ficou conhecido por “Ballet Rose”. Em 1997 a RTP exibiu uma grande série sobre esse assunto, com realização de Leonel Vieira, a RTP-Memória exibiu-a em 2016, e este mês novamente. Revejo-a sempre. Aquela história de membros do governo, da alta finança, aristocratas, clero, metidos num sórdido caso de pedofilia e de prostituição de menores entre os 8 e os 12 anos. Uma rusga da polícia…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Peão faz cheque aos reis
Crónica de Alexandre Honrado Peão faz cheque aos reis Os deputados vão de férias. Oiço atentamente o Estado da Nação, a sua última reflexão sazonal. O Governo não é dos melhores; a oposição é das piores que temos tido. Vejo com muita atenção o que se vai dizendo e gesticulando na Assembleia da República, afinal aquela é a nossa casa maior, a casa da Democracia, enquanto durar e lá tivermos quem nos represente, bem ou mal, a bem ou a mal, é um sintoma muito positivo. Enquanto isso…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – A flor rara no mais alto cume
Crónica de Alexandre Honrado A flor rara no mais alto cume Os momentos mais delicadamente espirituais que me foram dados assistir ao longo da vida, e podem ter a certeza de que foram muitos e marcantes, incluem a rara sensibilidade de alguns ateus que, por incapazes de adorarem um Deus, ficaram na expectativa dos melhores encontros proporcionados por todos os deuses que, valha-nos quem puder, são tão variados, tão pródigos, tão completos e todavia tão frágeis e tão impotentes diante de uma civilização que nunca acertou o passo…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – O homem do acordeão
O homem do acordeão por Licínia Quitério O homem do acordeão toca e do seu corpo brota uma dança que lhe põe na cintura requebros de juventude. Enquanto toca, anda para cá, para lá, os pés marcando compassos de antigas músicas. Abrindo e fechando os braços, abrindo e fechando o acordeão, abrindo e fechando o coração, a grande alegria a inundar-lhe o sorriso, os olhos vestidos de doçura, o homem do acordeão ressuscita rituais de sedução guardados na memória e que o corpo insiste em ofertar. É belo…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | A Peste
A Peste por Jorge C Ferreira As horas mortas. As horas da morte. Os últimos suspiros. O fim que não cansa. Tanta gente a pensar nisto. Tanta gente que já não pensa, espera. Esperar pelo inesperado, pelo sem sentido. Esperar que o sofrimento não seja muito. Uma etiqueta colocada com um cordel no dedo grande do pé direito. A doença sem fim. A passagem de corpo para corpo. Os corpos unidos. As mãos esfregadas com álcool até ao osso. Os ossos sem pele. A pele sem osso. A peste.…
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