Vidas por Jorge C Ferreira O momento esperado. O tempo que deixa de contar. Um não respirar que sabe bem. Só eles e uma cama de amar. Sentem o corpo um do outro. Assim se completam num acto de enorme aventura. As cabeças a andar à volta. Um carrossel de prazer. Uma girafa a mostrar o seu enorme pescoço. Um cavalo num trote louco. Uma zebra vaidosa. Um carro de abraços de loucura. A corrida sempre sonhada! Tratavam-se com ternura. Ternura inventada numa noite de mais inspiração. Ouviam…
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Crónica de Alexandre Honrado | Um observatório de pouca coisa
Crónica de Alexandre Honrado Um observatório de pouca coisa Cada pessoa que conheço revela-se para lá do que é. Talvez admita que é isso afinal o labirinto da sua intimidade, reforçando a minha convicção de que a identidade é uma ideia oca, porque a seu modo todos somos moldáveis, física, psíquica e espiritualmente mutantes, prisioneiros de ambições mais ou menos fantasiosas ou sofredores de crenças várias que moldam, mas não explicam, fornecem matéria de extrapolação, mas não identificam, muito menos uniformizam ou garantem uma identidade. Vamo-nos identificando, mas isso…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Conta-me uma história
De ontem e de hoje – Conta-me uma história por Licínia Quitério Bendito e louvado, o meu conto está acabado. Com esta ou outras fórmulas tradicionais, podem fechar as suas histórias os contadores, os conta-contos, esses andarilhos que percorrem o país a desenterrarem tesouros para os salvarem do esquecimento e depois os partilharem com adultos e crianças, em praças, em escolas, em bibliotecas. Recolhem histórias, às vezes dão-lhes novas roupagens e depois contam-nas, com vozes bem moduladas e gestos expressivos. Neste nosso mundo de desalentos, será sempre bom…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | O mundo do avesso
O mundo do avesso por Jorge C Ferreira Cheias no Oriente, uma chuva inclemente, devastadora. Na Coreia do Sul procuram-se desaparecidos. Túneis que se enchem de água. Morrer entre paredes e metal. Afundar-se na lama, desaparecer. Os mergulhadores tentam o impossível. Só buscam mortos. Que triste deve ser. Noutros sítios há pontes, viadutos, estradas que se quebram. A inesperada queda no vazio, um voo não marcado para o fim de tudo. Mais desaparecidos. Um vulcão zanga-se na Islândia. La Palma arde de desgosto depois de o seu vulcão…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Ir às escolas
Ir às escolas Por Alice Vieira Às vezes—confesso—sinto-me um bocado cansada de ir às escolas que me chamam. Parecendo que não, há coisas que já não são para uma octogenária como eu. E quando me vêm com aquela de que “o que é preciso é juventude de espírito,” eu respondo logo como respondia a minha prima Maria Lamas, quando vivi com ela em Paris: “o pior é que a juventude de espírito não me ajuda a descer escadas” Voltando às escolas. É claro que depois de lá estar, eu…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Os velhos tempos
Os velhos tempos por Jorge C Ferreira Gosto das ruas estreitas, das travessas, das sinuosas canadas do Corvo. Das ruas de fugir aos piratas das ilhas gregas. Gosto dos pequenos espaços onde todos nos conhecemos. Gosto de ser vida de outras vidas. Estar lado a lado com os que caminham comigo. Conheci ruas de muitos modos de andar. Ruas que percorri em passo lento e acelerado, onde corri e suei, onde passeei de mão dada e namorei. Onde me sentei cansado de correr. Onde roubei e me roubaram…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado | Kundera – A insuportável ideia da partida
Crónica de Alexandre Honrado kundera A insuportável ideia da partida Tive muitos escritores como meus heróis, nem sei se é essa a palavra exata, antes materializações de ideias novas contra as ideias feitas, alguém que me entrava pela cabeça e sem um único ruído me gritava assim, num eco que me ficava pelas veias, vá lá, por todo o sempre, se é que existe isso, o todo o sempre. Sempre dei graças aos livros e não concebo a ideia do seu desaparecimento, ou da prisão que pode constituir não…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Anos 50 do século XX
De ontem e de hoje – Anos 50 do século XX por Licínia Quitério Em Lisboa, no 34 da Avenida da República, viviam as velhas amigas que há muitos anos, tantos quanto somam três gerações bem contadas, emigraram para a cidade, levadas pelos pais, em busca, como todos os deslocados deste mundo, de melhor fortuna. Moravam na grande cave do prédio que servia de habitação de porteiro, com muitos compartimentos e um longuíssimo corredor. Só menos de metade da casa recebia luz do exterior, através de pequenas janelas…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Que mundo?
Que mundo? por Jorge C Ferreira O mundo em ebulição. Panela sem tampa. A água a ferver. Os bicos de um fogão de lume bruto. Uma nova explosão. O cheiro a carne queimada. As guerras que não terminam. As mortes sempre desnecessárias. A monstruosidade das mortes a sangue-frio. A polícia a não saber que o seu comportamento tem de ser um exemplo. As infiltrações de corpos estranhos nas várias corporações. As pandemias de várias índoles. Os subúrbios de todo o mundo. Os cemitérios nos mares. Tanto mar e…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Palavra puxa palavra
Palavra puxa palavra Por Alice Vieira De vez em quando ouço uma palavra e essa palavra leva-me logo a recordar coisas muito antigas. Por exemplo, aqui há dias uma amiga, bastante mais jovem do que eu, estava a dizer-me que tinha ralhado com a filha porque esta insistia em tomar banhos de imersão em água quase a ferver. “Olha”, digo eu, “foi assim que morreu a Maria Montez!” Ela esbugalhou os olhos: “Quem??” Eu desatei a rir, quem é que hoje sabe quem foi a Maria Montez! Em criança…
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