Crónica de Licínia Quitério | A aldeia global

Crónica de Licínia Quitério

De ontem e de hoje – A aldeia global por Licínia Quitério   A palavra “globalização” que inundou os vocabulários de todo o “globo”, pronuncia-se com  cuidados redobrados, não vamos, apressados, saltar uma sílaba e desfeá-la ou torná-la intraduzível. Este arrazoado vem a propósito da observação recente de novidades de além mundo que, com a tal globalização, têm chegado aos lugares mais improváveis deste nosso país. Gente apelidada de migrante, perdida a bondade ou oportunidade de seus países de origem, chega, por caminhos impensados, a vilas e aldeias deste país…

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Crónica de Licínia Quitério | Até ao meu regresso

Crónica de Licínia Quitério

De ontem e de hoje – Até ao meu regresso por Licínia Quitério   Pelo meio de tantas memórias que enchem caixas, caixotes, baús, fui recordar  os aerogramas, coisas que hoje já ninguém sabe o que são. Foi a guerra, talvez se lembrem, aquela devastadora guerra entre o governo de Portugal e os movimentos de libertação das colónias, que assim não podiam ser chamadas, mas províncias ultramarinas. Disfarces, eufemismos para catorze anos de sofrimento que queimaram corpos e sonhos de uma geração. Eram os aerogramas um papelito colorido que fazia…

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Crónica de Licínia Quitério | Gatos

Crónica de Licínia Quitério

De ontem e de hoje – Gatos por Licínia Quitério   Hoje vou falar sobre gatos. Sobre a minha relação com os gatos que ao longo da vida vêm partilhando comigo casa e comida, para não falar de discussões e brincadeiras. Quando nasci havia lá em casa um gato de que não me posso lembrar porque quando morreu eu ainda era inconsciente da vida que começava. Diziam os meus pais que era um animal meigo e que me dava marradinhas suaves. O primeiro gato que conheci de perto chamava-se Lince,…

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Crónica de Licínia Quitério | O racionamento

Crónica de Licínia Quitério

De ontem e de hoje – O racionamento por Licínia Quitério   Eu era muito pequena quando a guerra acabou, mas lembro-me bem do “racionamento”, essa palavra que andava de lar em lar, de boca em boca, e que para mim constituía um divertimento diário. Era-me então permitido recortar uns quadradinhos de papel azul-claro onde estava inscrita uma data e um qualquer número que queria dizer “pão”. A minha mãe dizia-me quantos quadradinhos eu devia entregar ao padeiro que nos trazia o pão à porta. Lembro-me do boné dele, do…

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Crónica de Licínia Quitério | Um laço vermelho

Crónica de Licínia Quitério

De ontem e de hoje – Um laço vermelho por Licínia Quitério   Vinha com vontade de falar, de ter quem lhe ouvisse a fala, que não a interrompesse, e sobretudo não desse opiniões sobre o que ia falando. Foi o que eu entendi ao vê-la chegar ao café, puxar a cadeira e sentar-se, o corpo paralelo ao tampo da mesa quadrada. Não nos conhecíamos a não ser daquele lugar  de gente rotineira, de vizinhanças vagamente cúmplices, de histórias de bairro sem grandes rasgos, de um ou outro negócio clandestino,…

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Crónica de Licínia Quitério | É a vida…

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – É a vida… por Licínia Quitério   Agora tem tempo, não é como dantes, sempre numa corrida, trabalho, trabalho, trabalho. Anos, muitos anos de dureza e pouco ganho. Já quase a despedir-se para a reforma, o corpo dorido, nenhuma esperança em melhor sorte, desabafava: — Quando Deus quiser que me leve, que já vi tudo o que há para ver, A preparar-se para os últimos anos da viagem, aconteceu o milagre, que ainda acontecem, segundo ele afirma de prova provada. A mulher muito…

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Crónica de Licínia Quitério | Os botões

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – Os botões por Licínia Quitério   A minha amiga refere-se amiúde ao seu tempo de África, o tempo em que foi imensamente feliz, quando ninguém pensava em ter de sair de lá, às pressas, rejeitada por um mundo, mal recebida por outro, uma folha da História a ser virada e ela feita protagonista com outras centenas de milhar.  Hoje, muito tempo passado, descreve com serenidade, para quem merece ouvir, cenas do que viveu e outras que por certo imaginou. Diz das alegrias da…

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Crónica de Licínia Quitério | Leituras

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – Leituras por Licínia Quitério   Aprendi a ler muito cedo, em jeito de brincadeira, e aos quatro anos já lia com fluência, para admiração de alguns amigos lá de casa que aconselhavam os meus pais a “não puxarem muito pela menina, coitadinha”. Eu brincava com as letras e mal sabia que a brincadeira iria ficar comigo até à já grande velhice. O alfabeto naquele tempo tinha mais três letras que depois foram expulsas – o K, dito capa, o Y, chamado igrego, e…

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Crónica de Licínia Quitério | Emigração

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – Emigração por Licínia Quitério   Era Abril e a década contava-se por sessenta. Paris era uma ideia, um desejo, um encontro previsto. Eu trabalhava para pagar os estudos, arduamente, num afã que a juventude permite. A dureza das muitas horas de trabalho adiava, inviabilizava, destruía sonhos de pequenos vícios, pequenos prazeres, mas a força de quem tem uma vida a começar não admite desistência. Havia quem só estudasse, quem não tivesse prazeres adiados, quem navegasse em águas mornas, como se natural fosse essa…

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Crónica de Licínia Quitério | O calor

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – O calor por Licínia Quitério   Vem a propósito do calor. Não um qualquer calor de Verão. Um calor perturbador, ameaçador, persistente, viscoso, que pede líquidos e os bebe de um trago e de retorno dá mais sede e mais seca e uma moleza de mistura com uma raiva que escalda a mente e a pele desnuda. As mulheres, na esplanada frente ao rio, sonhando com mares distantes e muito azuis que lhes tinham contado serem lugar de férias de afortunados e de…

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