Crónica de Alexandre Honrado – As aranhas que nos querem

 

Crónica de Alexandre Honrado
As aranhas que nos querem

 

Há uma inteligência de aranha no que está para trás, na história do mundo, a coberto de manifestações evidentes ou de siglas que agora são negras e pendem, como espada de Dâmocles sobre as cabeças de todos nós (embora aqui a moral da história seja bem diferente da que imperava no conto de Timaeus de Tauromenium que Cícero imortalizou).

A aranha para alcançar os seus objetivos tece – e o que tece tem uma robustez de objetivos, liga os pontos certos, visto à luz de certos sóis chega mesmo a parecer uma obra de arte estética. Essa sabedoria está no mundo da Finança dos nossos dias – o que depende dos mercados e dos políticos que lhe fazem os recados e que lhe levam os insetos. Um mundo que tanto investe num imóvel, como numa fábrica de armamento ou  laboratório de droga, em talibãs ignorantes ou até em alguns sábios capazes de dar o corpo pela alma.

Tal como na história da aranha, também há insetos descuidados que voam e ficam presos no enredo, por distração e confiança desmedida, mas na história das Finanças a teia tem de atrair e não pode ficar à espera das moscas distraídas. Depende, esse mundo, dos investidores que só têm existência enquanto há consumidores e  capital a rodar, mesmo que seja virtual e colocado em Bolsa e não nos bolsos. É a alegria dos mercados, não se confundam esses com os de alhos, couves e criação, tê outras artimanhas e tristes silêncios, não se ouvem nem canários nem traficantes de alho porro, é tudo offshhore e offline. Por isso, cada fio é um enredo, resulta do abuso de informação privilegiada, de subornos, de trocas de influências, de escolhas estratégicas, de pequenos e grandes apoios, do homem sem rosto ao secretário de Estado, do frágil Presidente da República ao local ignoto dos grandes interesses internacionais. Os bancos vivem daqueles famosos “esquemas da pirâmide” que sustentaram tantos empreendimentos – de empresas que dizem vender produtos para emagrecer às ´banqueiras do povo` que acabam por ser linchadas em praça pública pelo povo que pouco antes beneficiavam. Mas os Bancos vivem essencialmente dos políticos e das políticas que permitem os seus esquemas. E são, também, castelos de cartas que aos grandes sopros resultam numa amálgama e aos pequenos sopros produzem novos castelinhos. Vivem de negócios e sobretudo de negociatas. Vivem de paraísos fiscais e de investimentos inesperados e insuspeitados. Hoje podem criar linhas de crédito para construção civil e amanhã para um golpe de Estado. É a economia contemporânea, já o foi no período moderno, mas não difere muito da economia medieval ou da clássica. É por essas e por outras que o Afeganistão foi um grande negócio – e que vai ser, acreditem, um negócio ainda maior para que lucra com o derramamento de sangue, a violação dos direitos humanos, os cadáveres (das moscas e de outros seres antes vivos e vilipendiados).

As nossas aranhas ainda têm muitos segredos – pelo menos para nós. E nunca chegaremos a saber os detalhas das histórias todas – nem os micro segredos dos seus protagonistas.  Houve quem dissesse que tudo não passa de um caso de polícia – mas é evidente que é um caso de política. Presos nos nossos medos, somos na hierarquia dos insetos os mosquitos mais frágeis, tornámo-nos na base da pirâmide, um povo tolerante, governado por uma comissão de festas pactuante. E enquanto isso as “extremas” da política apanham COVID por serem ignorantes e irresponsáveis e pedem responsabilidades a quem tenta tudo para não se chegar aos extremos.

Nós servimos para pagar – eles para levar a mosca à teia. Há uma inteligência de aranha por detrás deste mundo grosso. Mas todos sabemos como as aranhas acabam, se o inseticida for dos bons. Também sabemos que inteligência não é o seu forte. Afinal, são apenas artrópodes que possuem oito pernas e quelíceras que injetam veneno mas que são, obviamente, desprovidas de cérebro.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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