Crónica de Alexandre Honrado – Tudo hoje me parece mera ficção

Alkexandre Honrado

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Tudo hoje me parece mera ficção
Por Alexandre Honrado

 

Engole grandes baldes de ar.

É assim que lhe parece, pelo menos. Grandes baldes de ar a invadi-lo quando aos pulmões chega apenas um pedaço ínfimo, um segredo de vida que lhe permite a quase ilusão de respirar.

Ilusão é o termo mais apropriado, ilude-se na confusão dos sentidos que provoca a distorção da perceção – a que se inflige e a que lhe é provocada.

Nem sabe bem porquê, passa-lhe por instantes o pensamento de que isto não é mais do que repetida experiência de como terá nascido. Pois seria alguma coisa assim o nascimento: o desespero enorme pela conquista do pedaço ínfimo, a boca, os olhos, a vida alagada e, de repente, com brusquidão, momento traidor, a descoberta do ar como parceiro essencial. Nascer é uma traição!

Entre secundinas e dúvidas, a mais violenta revelação: nascer! Ou nascer não é mais do que enfrentar o ar que nos aguarda?

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Se há verdadeira violência é sem dúvida o ato de vir ao mundo. O resto é uma escalada ambígua.

O ar é uma espécie de água intangível, outro bem precioso (terá pensado sem grande convicção, banalizando o ato de pensar).

A relação do ar com a água e com o fogo e a terra é coisa antiga. Mas a ponte entre ar e água como elementos da sua sobrevivência pareceu-lhe mais distinta, àquela hora.

O ar vai dizer-lhe um dia como está cansado de correr atrás de si pelos arroios  das veias e pelos enclaves do mar destas palavras – e nesse dia vai ficar a ver-se descansar.

Não se deve dar ao pensamento mais do que algumas caixas fechadas, abri-las é correr o risco de nos reinventarmos…

Sobrepõe as ideias como pequenas peças de um jogo de criança. Não sabe se o faz por sobrevivência, se será essa a sua forma de resistir, se opta por fazê-lo para se render.

Pensar não é falar.

Todos querem que ele fale e ele pensa. Uma manobra evasiva, então. Um truque ilusionista. Ilusão. Veio parar ao ponto de onde partira e isso agrada-lhe.

Alguém fechou a luz ou foi a sua vida que se perdeu um pouco mais depressa? Não tem importância. A luz é um apontamento irrelevante neste caos. E este caos vive entre quatro paredes à espera de uma porta.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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