Crónica de Alice Vieira | Mais contingência…

Alice Vieira

Mais contingência…
Por Alice Vieira

 

O estado de contingência vai recomeçar.

E não sei quando irá parar.

Agora é porque as crianças vão entrar na escola e no fim do mês logo se vê…Mas depressa virão outros motivos. Enquanto não houver vacina, isto não tem conserto.

Está bem, não é confinamento, podemos sair com as devidas precauções, já não é mau. Mas continuamos a não poder abraçar nem beijar ninguém. Agora já nem cotoveladas, agora pôe-se a mão no peito…

Imaginem : a minha neta Adriana, que acaba um doutoramento em genética em Cambridge, e não vinha cá há exatamente um ano, chegou há dias e eu não a pude abraçar nem beijar… Já se vai embora no fim desta semana—e, quando lá chegar , vai ter de ficar 15 dias em confinamento.

E quando será que vou poder vê-la outra vez?…Não é só a pandemia, mas também o laboratório onde trabalha, que não a deixa sair muitas vezes.

Pois. Isso para mim é o pior que esta pandemia tem.

Isso…e não haver bares nem discotecas.

Há dias ia com uma amiga para casa à noite, e de repente reparo que são 10 horas. Quando é que eu, na Ericeira,  ia para casa às 10 da noite?

A essa hora estava eu a sair de casa para ir ter com as minhas amigas…e íamos a uma ginjinha no “Lebre”, a um vodka-caramelo no bar da “Cher”, a um gin no “Pedro, o Pescador” — a fazermos horas para cairmos no “Ouriço”, donde saíamos às tantas da manhã.

Agora a noite acaba cedíssimo—e mesmo as maneiras que muitos arranjaram para estarem abertos até um pouco mais tarde (a Cher serve uns caracóis e umas saladas que são uma maravilha, o Ouriço tem esplanada cá fora e serve umas comidas leves ) não é a mesma coisa–e o álcool fica proibido.

Nunca me lembro de isto acontecer na Ericeira.

Claro que quem se quiser embebedar compra garrafas de vinho, uísque, e o que quiser nas lojas e leva para casa. Mas nós não nos queremos embebedar, nós não pertencemos aos AA—nós queremos estar com os nossos amigos. Beber sem eles não tem graça nenhuma.

Quem deve estar felicíssima é a minha Tia Tininha, com quem eu vivia em miúda, que nunca nos deixava sequer passar pela rua do Ouriço porque só desavergonhadas é que iam para  lá. (Ou como dizia o meu primo Manel, quando ela não estava a ouvir, “é onde as estrangeiras velhas e com massa vão buscar os jagozes novos e pelintras…”)

Por isso vamos para casa às 10 da noite. O cão da minha vizinha salta de alegria aos meus pés, quando me vê abrir o portão do jardim  e ladra que parece maluco—e é a única alegria na noite.

E lá ficamos – que remédio—a ver as séries do Fox Crime ou da Netflix.

Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


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