Crónica de Alexandre Honrado – 25 de abril agora e sempre

Alkexandre Honrado

25 DE ABRIL
AGORA E SEMPRE

Por Alexandre Honrado

 

Reparei que, sem causas de maior, a direita política e a sua vergonhosa extremidade (e uma mancha conservadora que não sabe sequer que é de direita mas que interpreta a ilusão hereditária de avós comprometidos), estão na sua alegria sazonal de reivindicações, dando graças por ter encontrado mais uma vez alguns argumentos muito desequilibrados mas assustadores.

Brandem agora a bandeira do passado com a simbologia da gadanha – porque acham que será alternativa à foice – e do cutelo – contra o martelo, marchar, marchar – histéricos e vorazes na nova via pública que é o recanto da sala e o complemento das redes sociais, guinchando impropérios e muitas mentiras contra a dignidade que deve render-se à data – o 25 de abril – que lhes proporcionou serem assim: livres. Livres para arejar as suas mantas cheias de traça e caruncho, as suas ideias de conserva, a sua acidez de mau tempero, pois é gente que mantém a velha panela, a escura trempe, onde cozinha o caldo sem unto, ou a sardinha dividida com sal e azar, que combinados fazem muito mal à saúde e noutros tempos lhes teriam tapado as cloacas e posto à sombra por tempo indeterminado.

Sabemos, obviamente, que a evolução política do mundo não evoluiu. Falindo de forma vergonhosa toda a tentativa mais intensa de por a sociedade capitalista e os seus excessos atrás das grades que merece, o outro lado da torrada, mesmo queimada, tomou lugar à mesa e mantém os seus banquetes.

Também sabemos que esta fórmula dos governos representativos, que nem duzentos anos tem de experiência, tornou-se numa coisa espúria, bastarda e assustadora, porque os que tomam o poder cedo nos esquecem e pouco nos representam, subordinando-se aos seus interesses e àqueles que, na realidade, governam o mundo.

A Democracia, fórmula tanto romântica como sedutora, não vai a lado nenhum porque não é o governo do povo, como devia, mas os que se governam graças ao povo, enviesando a tradução de um conceito fantástico.

Todos os políticos atuais, de todos os países ocidentais, não se atualizaram e acham que são o que não são. Os resultados nas urnas mostram isso, mas perante o diagnóstico eles ignoram a cura, pois caso contrário seriam varridos dos seus privilégios e riquezas. Assim, na base, o povo chateia-se. É a melhor expressão: chateia-se. Não gosta deles, que afinal são eles próprios em minoria, acusa-os de excessos, que por vezes nem cometem. Eles. Os piores inimigos dos outros. E os outros somos nós. Que nos chateamos, mas que, quase sempre, não passamos disso, de um aborrecimento profundo em que nos alojamos e isolamos, a resmungar.

Mas esta visão não deixa de ser de um puro reacionarismo, de um fascismo assustador! É que eles somos nós e só não somos eles porque não nos incomodamos a participar no único sistema que tem todas as ferramentas à nossa disposição.

Sem Democracia e sem Liberdade não seriamos o que somos. Livres e a pensar pela própria cabeça. Capazes de escolher e de mudar. Com a força de ser o que quisermos. E até de assistir aos fenómenos que a Democracia tolera: meninos de coro que insultam a Democracia que é a única mão que lhes leva o pão à boca.

Se a Democracia acaba, não podemos ser. E ser aqueles que querem transformar a Democracia.

Nos argumentos que li contra as comemorações do 25 de abril não encontrei um único respeitável. É que o 25 de abril não é a Páscoa, que só interessa a alguns e mesmo a muitos daqueles a quem interessa faz um certo transtorno, porque esses muitos são de uma religião que traem todos os dias, em ideias, atos, ações, e devido respeito à tradição. Os tais que são, mas não praticam. Os Democratas dignos desse nome são e praticam. E sabem que pela simbologia o 25 de abril tem mesmo de ser evocado.

A carga simbólica de cada dia, a carga humana que lhe conferimos, essa é um direito que a Democracia nos trouxe e do qual não queremos abdicar. Respeitem-se as datas de acordo com o que significam e de acordo com aqueles que as tomam como suas. Não se façam abaixo-assinados por isto e por aquilo. Amanhã destituiríamos o 1º de Maio, porque não somos operários de Chicago, ou o 25 de Dezembro, pois sabemos que não foi nessa data que Cristo nasceu. Há muito mais nas datas do que os calendários que as tomam como registo.

As mentiras dizem ainda que as comemorações custam milhões, que ninguém se lembra da data, coisas dessas. Mas não custa nada. Não se inscreve na memória se não for revisitada; e é a única data que nos permite estar aqui e agora, em Liberdade, essa fantástica condição de vida, à espera que o confinamento acabe e nos leve livremente pelas nossas utopias, onde um messias – um ser humano melhor – pode até estar à nossa espera.

Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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