Crónica de Alice Vieira | E chegou o Natal…

Alice Vieira

Crónica de Alice Vieira 

 

E CHEGOU O NATAL…

 

 

Que me desculpem algumas pessoas, mas Natal não é “quando um homem quiser”. Natal é em Dezembro, nos dias 24 e 25.Ou poderemos começar a pensar nele a partir do Advento, pronto.(É nessa altura que aproveito para armar todos os meus presépios…)

Com esse slogan, já ligeiramente estafado, diga-se (vem dos anos 70, de uma peça infantil chamada “Os Operários de Natal”, com todo o sabor do PREC) acabamos por desvirtuar a data, e começar a celebrá-la ainda mal acabámos de dar o último mergulho na praia.

António Gedeão tem um poema muito conhecido, chamado “Dia de Natal”, que era bom que todos lessem. Porque retrata muito bem o que muita gente, influenciada por esta terrível sociedade de consumo, pensa que é o Natal.

Escreve Gedeão, logo no início:

“Natal é dia de ser bom/ de passar a mão pelo rosto das crianças”.

E a gente pensa que ele vai entrar por um poema tranquilo, de paz e amor…-mas não.

Logo percebemos que aquilo de que ele fala é deste alucinado tempo de frases feitas (“tempo de pensar nos outros, coitadinhos..”) , de gente carregada de compras (“como se o Céu olhasse para nós/ e nos cobrisse de bênçãos e favores…” ) de correrias  ( “torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas/onde toda a gente se acotovela…”) de publicidade  a invadir tudo (“Vossa Excelência  verificou a hora exacta em que o Menino nasceu?/ Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético!…”), de “jingle bells” e “silent nights” a inundarem ruas, rádios, televisores, elevadores, lojas (“e mal se extinguem os clamores plangentes/ a voz do locutor/ anuncia o melhor dos detergentes…”)

O poema é muito grande e por isso não dá para o deixar aqui todo. Mas basta ir à net—o que seríamos nós sem a net…–e rapidamente o encontramos.

Para muita gente, o Natal não passa daquela chatice de ter de comprar prendas para a família toda, e por isso é preciso fazer listas, muitas listas, para que não falte ninguém—e na maior parte dos casos nada daquilo é importante, nada daquilo foi pensado com o coração, o que é preciso é comprar, comprar, não importa o quê, e se a pessoa não gostar há um talão de troca  e pronto, está o caso arrumado . Por isso convém despachar o trabalho. Por isso, logo assim que acaba o verão, amontoa-se nas lojas tudo aquilo que possa encher o olho do possível comprador—e sempre, de Setembro a Dezembro, com cânticos e Pais Natais carregados de luzes em volta.

Não, Natal não é isso. Podíamos todos parar um bocadinho para pensar no que é realmente importante. E no que realmente dá prazer ao nosso amigo.

Há muitos anos que eu e muitas das minhas amigas temos o hábito de nos dar, como prenda, alguma coisa que nos pertença.

A Luísa, há dois anos, deu-me uma pequena bandeja que era onde a avó dela lhe levava o copo de leite antes de ela adormecer, quando estava doente. Claro que nunca pode ser uma bandeja como as outras, e está sempre em lugar de destaque nas minhas prateleiras.

Tenho a certeza de que todos temos objectos destes. Natal é passá-los para as mãos dos nossos amigos, como se lhes déssemos um pouco de nós.

 


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