Crónica de Alexandre Honrado | Elogio do pensamento

CapaAHonrado
[sg_popup id=”24045″ event=”onLoad”][/sg_popup]

Elogio Do Pensamento

Alexandre Honrado
Historiador

 

Emanuel Kant, filósofo alemão, cruzava a sua vida, iniciada em 1924, com a nossa, reles mortais que estudávamos no secundário no fim do século passado. Deixava-nos entre dúvidas profundas e uma angústia existencial, que só podia passar mais tarde ou com a leitura de Sartre e Foucault ou com o abandono puro e simples dessas inquietações juvenis, embora intelectuais.

Várias coisas ficavam-nos, no entanto, cosidas na pele como uma tatuagem, depois de ouvir falar de Kant. Se uma delas era a frase firme que afirmava como a sabedoria é a vida organizada, o que nos faz duvidar de muitos políticos nacionais (basta seguir medianamente as suas biografias), outra prendia-se com uma verdade sublime (não a Verdade filosófica, que não é para aqui chamada, mas com a nossa verdade individual e hormonal e espontaneamente inquieta).  Era essa a afirmação de que o importante é ensinar a filosofar em vez de ensinar filosofia.

Passaram muitos anos e a filosofia, embora se tenha atualizado, basta ler Jacques Rancière, Slavoj Zizek, István Mészáros (que manteve vivo o marxismo apesar de tudo) ou Saul Aaron Kripe (bem sei, bem sei, dá trabalho e as revistas mundanas são mais apelativas), pelo menos a reflexão sobre as fragilidades humanas que é O amor Líquido de Zygmunt Bauman, a filosofia foi ficando numa zona sombria do processo de aprendizagem. Ninguém gosta muito de pensar, preferindo agir, o resultado está à vista: sem pensar para onde se vai o ser humano age entrechocando-se, matando-se, perdendo-se num labirinto de si que produz resultados desesperantes e líderes de teatrinho de fantoches (Bolsonaro, Trump são os parentes pobres dos inspiradores de outrora, os Salazar, Hitler, Estaline, outros, só que em versão ainda mais medíocre).

Diria que nos tempos que correm seria interessante gerar a ideia de que é mais importante pensar e ensinar a pensar, do que preparar jovens para um mercado de trabalho onde pensar não é prioritário (e pode ser perigoso, não vá o trabalhador perceber o seu valor). Diria que seria interessante – mas é muito difícil. Aliás, as políticas de ensino provam o enredo em que caímos: metas de êxito, burocracia, reuniões pedagógicas – e a falta de êxito quotidiano, a hecatombe sob a derrocada da burocracia, a falta de pedagogia que encontramos dia a dia.

Kant deve andar por algum canto. Assim como a vontade de ensinar a pensar. Pensar é arma mas poderosa que as pistolas carregadas que alguns consideram a saída para as crises como garante de segurança. A pedagogia do cemitério contra a pedagogia da sementeira. Veneno a um canto e Kant por descobrir.

Leia também