Crónica de Licínia Quitério | Conta-me uma história

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – Conta-me uma história por Licínia Quitério   Bendito e louvado, o meu conto está acabado. Com esta ou outras fórmulas tradicionais, podem fechar as suas histórias os contadores, os conta-contos, esses andarilhos que percorrem o país a desenterrarem tesouros para os salvarem do esquecimento e depois os partilharem com adultos e crianças, em praças, em escolas, em bibliotecas. Recolhem histórias, às vezes dão-lhes novas roupagens e depois contam-nas, com vozes bem moduladas e gestos expressivos. Neste nosso mundo de desalentos, será sempre bom…

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Crónica de Licínia Quitério | Anos 50 do século XX

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – Anos 50 do século XX por Licínia Quitério   Em Lisboa, no 34 da Avenida da República, viviam as velhas amigas que há muitos anos, tantos quanto somam três gerações bem contadas, emigraram para a cidade, levadas pelos pais, em busca, como todos os deslocados deste mundo, de melhor fortuna. Moravam na grande cave do prédio que servia de habitação de porteiro, com muitos compartimentos e um longuíssimo corredor. Só menos de metade da casa recebia luz do exterior, através de pequenas janelas…

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Crónica de Licínia Quitério | Conversa de mulheres

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – Conversa de mulheres por Licínia Quitério   A Matilde chegou em passo mais estugado do que era seu hábito. Vem sem óculos. Mal chegou explicou: “Estás a estranhar qualquer coisa. Isso mesmo. Larguei os óculos. Decidi-me por lentes de contacto. É hoje o meu primeiro dia de olhos novos. Estou a gostar. Diz lá se não pareço mais nova. Não te rias, qual é a mulher que gosta de envelhecer, qual? Enquanto puder vou disfarçando os anos. Disfarçando apenas, que eles vão somando,…

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Crónica de Licínia Quitério | O senhor poeta

Crónica de Licínia Quitério

  De ontem e de hoje – O senhor poeta por Licínia Quitério   Eu era uma miúda franzina, pequenina, até dar o salto para a idade de mulherzinha. Vem isto a propósito do que me lembrei por ter estado a ler em jornais antigos a notícia do encerramento do restaurante Irmãos Unidos, no Rossio de Lisboa, e do sequente leilão do recheio. Logo me pus a rever, no filme que só eu realizei, a porta giratória, coisa nunca vista, que dava acesso ao restaurante e pela qual eu entrava,…

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Crónica de Licínia Quitério | Nunca me ouves

  De ontem e de hoje – Nunca me ouves por Licínia Quitério   Ele não se apercebeu da proximidade do lago até sentir o chape-chape das rodas, as do lado direito. Logo parou, não fosse atolar-se. Disse-lhe que esperasse, que saísse do carro pela porta do lado dele. Ela não esperou, abriu a porta e saiu, deixando-o nervoso, inquieto. É por isso que não se cala sobre o assunto: ”Nunca me ouves. Ou não ligas. Não queres saber. Eu disse-te que esperasses para saíres pela porta do meu lado.…

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Crónica de Licínia Quitério | Passeios de Domingo

  De ontem e de hoje – Passeios de Domingo por Licínia Quitério   Ela era uma mulher ruiva, com cabelos naturalmente encaracolados e revoltos, com a pele pejada de sardas a mancharem o fundo leitoso. As ancas possantes, os seios ainda firmes, os artelhos finos de cavalo de raça, davam￾lhe um ar picante que provocava olhares gulosos dos homens do bairro, pouco habituados a mulheres como a Elvina do Marreco. Como resumia o malandreco do empregadito do Café: “Apanhá-la…” Davam curtos passeios ao Domingo, de braço dado, pelos jardins…

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Crónica de Licínia Quitério | Formiguinha

  De ontem e de hoje – Formiguinha por Licínia Quitério   Formiguinha, asinha, asinha, formiguinhas, formiguinhas, à cata nas prateleiras, pega aqui, larga acolá, não preciso, não preciso, sempre levo, sempre levo, posso vir a precisar, é assim, nunca se sabe, mais barato, tão barato, levo três, só de uma vez, larga isso, larga isso, olha que a mãe está zangada, e cansada, e cansada, anda lá que tenho pressa, e o almoço, quem o faz, novas marcas, marcas brancas, muitas, muitas, muitas marcas, eu sei lá se esta…

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Mafra | Lançamento do Livro “Discurso Directo” de Licínia Quitério [Imagens]

  Com apresentação e análise literária de Adriano Alcântara, professor de português da Escola Secundária José Saramago, assistimos ontem, no Auditório D. Pedro V, à apresentação do novo livro de Licínia Quitério, “Discurso directo”. Licínia foi o nome que minha Mãe me deu. Se eu tivesse nascido rapaz, o nome teria sido a gosto de meu Pai. Foi fácil entre eles o comércio de nomes. O escolhido é um nome quase esdrúxulo, com uma quase vogal que se repete. Quase fácil, quase audível, o meu nome. É um nome antigo,…

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Crónica de Licínia Quitério | Era uma vez um inglês

  De ontem e de hoje – Era uma vez um inglês por Licínia Quitério   Era uma vez um inglês, súbdito de Sua Majestade a Rainha Isabel, a primeira do seu trono, senhora de grande pudor e maior religiosidade. Grande era a urgência de Sua Majestade em combater os católicos, derrotá-los, custasse o que custasse, que bastava de heresias, mordomias e ousadias, com anglicanos disputadas. Foi nesse tempo de feroz guerrear que Dom Francis Trezian, desapossado de títulos e propriedades, meteu pernas a navio e ala que se faz…

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Crónica de Licínia Quitério | Vou ali e já volto

  De ontem e de hoje – Vou ali e já volto por Licínia Quitério     Ai a minha cabeça, ai a minha cabeça, é o que oiço em voz de mulher quase gritada vinda de um assento atrás do meu. Imagino-a ao telefone com alguém lá de casa que lhe diz, para sua grande  aflição, que não apagou o gás do fogão, ou que deixou o gato fechado no roupeiro, ou se esqueceu da sogra no supermercado. Isto imagino eu porque de facto nada sei de toda aquela…

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