O cheiro a fumo Alice Vieira Hoje—e até daqui a muito tempo—todas as ruas cheiram a fumo. Hoje—e até daqui a muito tempo—todas as palavras cheiram a fumo. Hoje—e até daqui a muito tempo – tudo cheira a fumo. De repente, o mesmo cheiro que entrava pela minha casa, no princípio daquele mês de Setembro de 1966. Eu tinha pouco mais de 20 anos, e nessa altura vivia em Rio de Mouro, uma pequena aldeia perto de Sintra. E sempre que chegava o verão, chegavam os incêndios. Quer dizer…
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Folhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (3º Episódio)
FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério BENVINDA – Uma História de Emigração 3º. Episódio Quantos dias foram os da viagem por essa Espanha fora é o que Benvinda não sabe contar porque não foram dias de vida verdadeira, tão somente dias de passagem por terras ora ardentes ora gélidas, a fugirem dos povoados, quantas vezes por chão mal pisado, como se fosse caminho. Benvinda, Bento, assim se chama o seu homem, e os outros. Talvez fossem uns dez, apinhados nos bancos de tábua, na parte da carrinha que devia…
Ler maisCrónicas de Jorge C Ferreira | Jogatanas
Jogatanas Que nunca se calem as vozes que nos alertam para o que se tenta esconder. Muitas verdades varridas para fora do nosso conhecimento. O que não querem que nós saibamos. Só se ouvem as vozes dos donos da coisa. O crime que não magoa fisicamente. Uma carambola num bilhar às três tabelas. As bolas de marfim. O giz azul. O pano verde. O taco. Uma manga de alpaca. A rabeca que nos acrescenta o braço. Um jogo que não queríamos jogar. O marcador a andar. A Mágoa. Uma…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | A propósito de eleições
A propósito de eleições Alice Vieira A primeira vez que o meu filho votou foi para umas eleições autárquicas, já lá vão quase 30 anos. Mas lembro-me sempre disso. Ele tinha então um amigo—amigo desde os bancos da escola. Eram inseparáveis aqueles dois. Gostavam das mesmas bandas desenhadas, eram sócios do mesmo clube de futebol, disputavam partidas de xadrez todos os sábados à noite, eram fanáticos dos Sétima Legião, iam às mesmas discotecas, estavam no mesmo curso da faculdade, trocavam CD’s, selos, vídeos, livros e confidências e lembro-me que…
Ler maisFolhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (2º Episódio)
FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério BENVINDA – Uma História de Emigração 2º Episódio Primeiro foram eles, tinham que ir, os miúdos ficaram com a mãe dela, à espera que eles assentassem casa e trabalho, o passador dizia que isso não havia de faltar, foi cobrando o serviço, a prestações mensais, durante quase um ano, até fazer a conta que entretanto já tinha subido, havia muita gente pelo meio a quem ele ia ter de untar as mãos, era como ele dizia, ao guarda-fiscal, ao guarda-republicano, a muitos,…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Recordando António Reis
Recordando António Reis Alice Vieira Para muitos, o nome de António Reis dirá muito pouco. Haverá quem pense tratar-se de um dos fundadores do PS –mas não, não é esse. Outros, mais bem informados, falarão talvez do cineasta, realizador de filmes como “Jaime”,“Trás os Montes”, “Ana”, e outros. E sim, aí acertaram. Mas aquilo que eu hoje gostaria aqui de recordar não é essa sua faceta—mas outra, e essa sim, quase completamente ignorada : António Reis foi um grande poeta português. Sempre poeta em tudo o que fazia, ou…
Ler maisCrónicas de Jorge C Ferreira | A Finitude
A Finitude Não sei o que nos ata à vida. Não sei o que nos une às vidas vividas. Somos uma soma de vidas. Somos as experiências que vamos acumulando. Vemos nascer e morrer. Choramos e rimos. Há quem reze e agradeça a um ser que acha divino. Rimos quando ouvimos o choro anunciador da vida. Choramos quando o último suspiro de alguém anuncia a sua partida. Um dia conheci um homem que vivia numa cabana no alto de uma serra alta. Vivia só e, no entanto, nunca tinha…
Ler maisCrónicas de Jorge C Ferreira | Um sonho de criança
Um sonho de criança Era uma vez um menino, a quem, como a todos os meninos, um dia, começaram a perguntar: «Que queres ser quando fores grande?» A resposta saía pronta e convicta: «oficial da marinha mercante.» Esse era um menino que tinha um desejo imenso de navegar, de correr mares e continentes. Um menino que não tirava os olhos do mapa mundo. As contingências da vida obrigaram-no a seguir outros caminhos. Caminhos de ganhar a vida. Começou a trabalhar com tenra idade. Foi à tropa. Formou família. Teve…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Saudades de Camélias
Saudades de Camélias Alice Vieira “Então o que vai ser hoje, menina?” É por estas e por outras iguais a esta que fujo dos hipermercados e tento o mais possível abastecer-me nos mercados da terra (ou da freguesia…) : só mesmo aqui, neste mercado perto da minha rua, é que eu ainda sou menina. Sorrio, enquanto a rapariga vai gabando as virtudes da mercadoria, “por acaso as rosas até nem estão muito caras, e se a menina lhes deitar o pó desta saqueta duram muito mais. E temos umas…
Ler maisCrónicas de Jorge C Ferreira | As arcas e os baús
21 Ago 2017 | Crónica | Jorge C Ferreira As arcas e os baús As arcas e os baús, a mania de guardar coisas. Os papéis e as roupas. As bolas de naftalina e a cânfora. As arcas que são mães de todas as arcas. Os segredos guardados a cadeado com ferragens quase medievais. O cinto de castidade. As arcas de madeira simples, as arcas carunchosas, as arcas de cânfora, as arcas de folha, as arcas de porão, a arca congeladora e a última de todas as arcas,…
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