Folhetim | Casa de Hóspedes (5º. Episódio)

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FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

Casa de Hóspedes (5º. Episódio)

Sempre a fungar, a D. Adélia, um tique que lhe ficou desde que aquele malandro se negou a casar, mesmo nas vésperas da boda. Tudo pronto. Convites feitos. Sala alugada para o repasto, hora aprazada com o padre. O fato da noiva, lindo, de um branco virgem, mais virgem do que ela que se entregara àquele pedaço de homem, moreno e peludo, com uns olhos de botar fogo. Os papéis já estavam a correr, qual era o problema, eram praticamente casados, assim às escondidas tinha mais sabor, nunca haveriam de esquecer aquela tarde. Verdade seja dita que D. Adélia nunca esqueceu o Sol, a figueira, o caminho onde há muito ninguém punha o pé e ela pôs as costas, o rosto dele colado no céu como o de um anjo protector. Nunca esqueceu, não, num misto de raiva e prazer revividos, mesmo as coisas más têm o seu lado bom, dizia ela, sempre dada a lugares comuns, a frases já feitas e bem entendíveis.

Não casou com ele nem com mais nenhum, que os homens do seu tempo só casavam “com relva fresca e não com terra pisada”, frase que ela ouviu um dia e lhe deixou uma cicatriz no meio do peito. Se era grande a crueldade dos homens, senhores do destino das mulheres que usavam e deitavam fora, sem remorso nem castigo, não era menor a perfídia das mulheres que censuravam as perdidas, as de má cabeça, oferecidas aos homens que não resistiam à tentação, se queriam mostrar-se homens de verdade. Não teve o que se chama de marido, mas foi tendo os seus devaneios, os seus arranjinhos, que ela, quando era nova e não fungava, até era bem jeitosa, de cintura fina e traseiro alçado, a provocar dichotes aos machos, que não perdiam ocasião de afirmarem seus gostos, suas tendências inequívocas de bom acasalamento.

Veio parar àquela Casa de Hóspedes, vinda de outras, que paragem não tinha, em busca do que perdera, de si mesma perdida.

 

Licinia Quitério, 30/12/2018

 

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