Leituras muito variadas – não necessariamente em livros, ou em artigos dos muitos jornalismos ou das emanações académicas -, leituras feitas olhos nos olhos, a maior parte das quais assentes na observação do que somos, do que estamos a deixar de ser e resultantes da mundividência (isto é, do modo de ver o mundo) e sobretudo da mundivivência (em neologismo, o modo de viver o mundo, palavra que nenhum dicionário aceita), levam-me a interrogar as ideias que construí da condição humana, do humanismo, da produção identitária e da evidente dispersão…
Ler maisCategoria: Crónicas
Folhetim por Licínia Quitério | “Dona Clotilde” – (4º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” – Capítulo 4º. Na escola, Fatinha só deu alegrias aos Pais. Boa aluna, embora sem grandes brilhos, bem comportada, respeitadora dos senhores professores a quem levava prendinhas pelo Natal e pela Páscoa. Pouco amiga de brincadeiras arrapazadas, quase não sujava as batitas de colarinhos brancos, tesos de goma. Já no liceu, o corpito começou em estremecimentos anunciadores de floração próxima. Dona Clotilde sentiu uma estranha angústia quando a sua menina anunciou que já era senhora, o que significava o despertar confuso da mulher com…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | A vontade que não se cumpriu
Crónica de Jorge C Ferreira A vontade que não se cumpriu A vontade que não se cumpriu. As espadas por terra. As areias que derrotaram uma vontade. Os gibões e as armaduras como ganho de batalha. Os prisioneiros, descalços, vestes rasgadas, hirsutos. Prisioneiros que iriam ser beatificados. As outras armas que desapareceram e apareceram num golpe de embriaguez. Os poderes de quem não pode. A vontade de complicar. Mais uma assinatura, mais um carimbo. O chefe do chefezinho. Um café na hora certa. O pedido e a volta do papel.…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Que fazemos dos nossos velhos?
Crónica de Alice Vieira QUE FAZEMOS DOS NOSSOS VELHOS? Alice Vieira Participei na semana passada num congresso da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre envelhecimento. “Nascer para não Morrer” era o tema—e, para além da velhice, também se discutia a baixa natalidade do país. Cada vez há menos crianças, cada vez os velhos vivem mais, cada vez há mais tios do que sobrinhos, cada vez mais as mesas de Natal são preenchidas por pessoas mais velhas. Mas se a baixa natalidade é um problema –onde estará a mão de…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Esqueçam a eutanásia, ainda temos o suicídio
Um dos meus interesses de estudo – ando a tentar reduzi-los a dois, mas não percebo bem como se faz – obriga-me a perder longas horas com o tema cultural (e político) do esquecimento, numa época, a nossa, que tem no topo da lista das doenças o Alzheimer, e, nas notícias mais recentes, uma constatação fácil de assimilar: “[Em Portugal] apesar do decréscimo da população, o número de pessoas com demência irá mais do que duplicar: de 193.516 em 2018 (1,88% da população) para 346.905 em 2050 (3,82% da população)”.…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | As vidas abandonadas
Crónica de Jorge C Ferreira As vidas abandonadas As vidas abandonadas. As ruas sem ninguém. Ruas de bairros onde, antigamente, se passeava a pobreza. Uma tasca, agora entaipada, umas cartas sujas de tanto usadas e as mesas de pedra. Um lápis na orelha e um papel com borrifos de vinho do lote onde se marcavam os resultados da jogatana. Mais uma rodada, pago eu. O vinho do ditador. O tal que dizia: “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses.” Os copos grossos. Copos de dois…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Mas as crianças, senhor, porque lhes dais tantos gadgets?
Oferecemos horizontes infinitos aos nossos filhos – sem lhes mostrar a qualidade do terreno onde devem por os pés e a beleza intensa dos avós que deram a vida e a glória para que hoje pudéssemos olhar para os telemóveis em liberdade. Olhar para quem me rodeia faz parte de uma militância cultural. Leva-se ideias para recolher outras, ausculta-se os pulmões da Nação e aprendemos o tamanho do que somos – quase sempre menor do que aquele que nos atribuímos. O querido filósofo português José Gil antecipou-se às razões maiores…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | “Dona Clotilde” – (3º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” – (3º. Episódio) Choramingou, soltou ais do fundo da alma em rebuliço. Lamentava que a alegria não contagiasse o seu protector, mas não perdeu muito tempo com lamentos. Após os preparativos algo apressados, fez mesmo a cama, deitou-se nela e gostou. Era finalmente uma senhora casada com um pedaço de homem que só de o olhar sentia os braços em pele de galinha. Para que a felicidade fosse completa, naquele lar apenas faltavam as risadas de crianças, no plural (que filhos, ter só um,…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Uma casa na floresta
Crónica de Jorge C Ferreira Uma casa na floresta Há alguém maior que a vida que vive numa dimensão difícil de atingir. Uma dimensão em que acontece o mistério de nos sublimarmos. Há uma amarga doçura que embala os sentidos, que embala o viver e a comunicação com os outros. É, mais ou menos, como estarmos sós numa floresta e sermos visitados por lobos que nos lambem em tons de azul. Ganhando assim anticorpos contra a malvadez. Uma floresta vestida de magia. Um embaraço de caminhos. Uma árvore mãe onde…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | O Anjo
Crónica de Alice Vieira O Anjo Alice Vieira Vivi grande parte da minha vida junto ao mar. Agora na Ericeira, e em jovem na Costa Nova. Ambas praias de pescadores—mas muito diferentes. Naquele tempo os homens da Costa Nova saíam cedo de casa e demoravam muito a regressar. Iam todos para a pesca do bacalhau, lá nos confins do Mar do Norte, e as mulheres ficavam com todo o peso da vida às costas—a casa, os filhos, os parentes velhos, e ainda a pequena horta de que era preciso…
Ler mais