A Viagem por Licínia Quitério Há quanto tempo morrera o que chamara A Viagem? Sabia exactamente o dia, a hora. Quatro da tarde, o sol perigoso, o abrigo do guarda-sol de riscas rosa e laranja. A mão na testa suada dele, em toque leve, hesitante. Vamos então? Posso marcar com a agência? Sentiu-lhe o estremecimento. Total, da raíz à copa. Disse não, já marquei. Levantou-se, pegou na toalha, nervoso. Sabes com quem vou. E, quase num grito, é melhor acabarmos com isto de vez. Foi no dia de…
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Crónica de Jorge C Ferreira | Peralvilhos
Peralvilhos por Jorge C Ferreira Estou farto dessa gente nova que nasce velha. Estou farto dos que disso fazem alarde para se promoverem. São os falsos velhos. Os que tentam, através de uma aparência bem pensada e uma estratégia estudada, fazer os outros pensar que têm vida e sapiência de um velho que percorreu a vida e o mundo. Apresentam-se de ar circunspecto como se tivessem todo o conhecimento em si. Apelidam-se de muitas coisas e omitem os fracassos. (Aliás, já os esqueceram…) Não me lembro…não me lembro…não…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | E lá fomos a votos
E lá fomos a votos Por Alice Vieira E pronto, lá se passaram mais estas eleições. Aqui pela Ericeira quase não se deu por isso, a não ser pelos cartazes—e mesmo assim não eram muitos. Adorei aquele que dizia “Vamos libertar Mafra”, com a variante “Liberdade para Mafra” Quando o vi pela primeira vez, até me assustei, palavra de honra! Mafra teria sido invadida e nós não tínhamos dado por nada? E invadida por quem? Pelos Afegãos—a obrigarem todas as mafrenses a andarem de burka? Por extra-terrestres com…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Jorge Sampaio
Crónica de Alexandre Honrado Jorge Sampaio Tentei escrever várias vezes sobre Jorge Sampaio, na altura certa. A altura certa, todavia, era sempre nova e a última de todas as alturas certas era um embrulho de lágrimas e recordações, um patamar onde se dizia adeus a um homem que, sobretudo, foi um ser humano de sóbrio e eficaz humanismo e de um humanitarismo inequívoco, sendo que o amor à Humanidade é sempre difícil, pois amar em todos cada um é quase impossível, e ser capaz de acolher o outro,…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Que vida
Que vida por Jorge C Ferreira As noites que se instalam sem darmos por isso. O escurecer que nos cala. Horas e horas de desafiar o tempo. Há quem tenha medo da noite. Há quem viva cada noite como se fosse a última. O deitar e o adormecer. Duas coisas tão diferentes. Dois modos de estar. Dois modos de viver. Nunca saber se vai acontecer o dia seguinte. Nada temos como adquirido neste mundo voltado do avesso. Os que dormem de dia, pensam ao contrário. Muitas vidas no…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Amarfanhar
Crónica de Alexandre Honrado Amarfanhar Dou comigo a desfilar pelo nada, preocupado com coisa nenhuma e uma buzinadela áspera desperta-me para uma realidade azeda e distópica: a sociedade urbana onde me são dados os relevos da minha agitada vida, reclama a minha atenção. Sempre teimei que a melhor explicação para o que me rodeia podia cingir-se a três coordenadas: o que a realidade parece impor, o que o imaginário é capaz de desfeitear à realidade e, finalmente, a simbólica que nos tolhe e liberta ao mesmo tempo. Dou…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Precária
Precária por Licínia Quitério Aquele habitual erro de cálculo. Mais curta do que o previsto a distância entre o bordo exterior do dedo mínimo e o bojo do copo na beira da mesa. Foi por isso que o homem pegou na pá e na vassoura e lhe disse que não havia azar, não se preocupasse. A incomodidade dela em evidência no apertar das mãos, no olhar em círculos pela sala. Ele a varrer os cacos, alguns em viagem desmedida até outras mesas e a dizer em jeito de…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Olhos e Olhares
Olhos e Olhares por Jorge C Ferreira Os olhos a perderem-se num fundo oco. Um vazio que se anuncia. Os olhos de uma viagem inesperada. As mãos a separarem-se de forma muito lenta. Um fio de nada. Um nada que é tanto. Uma raiva de rasgar ondas. Raiva cega. Raiva gasta. Raiva dor. Raiva da despedida. O desfecho chorado. O fio que se parte. Tanto se pode falar sobre olhos e olhares. Tantos olhos mataram olhos. Tantos olhares fatais. Quantos olhares especiais. Um olhar pode valer uma vida. Olhos…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Quem é que ainda fala português?
Quem é que ainda fala português? Por Alice Vieira Aqui há dias li um artigo num jornal, intitulado “Haverá alguém que ainda fale português em Portugal?” Isto até podia ser uma palermice se não fosse, infelizmente, verdadeiro. Anda por aí o pessoal muito preocupado com o acordo ortográfico, ai que horror, agora não se põe “c” nem “p” quando eles não se pronunciam, ai meu Deus, e não se põe acento no ”para”—e depois fecham os olhos (ou até são eles próprios a fazê-lo) aos erros, ao português…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Vidas em comum
Vidas em comum por Jorge C Ferreira Quando as tuas veias invadiram o meu corpo. Quando os nossos corpos se tornaram dependentes. Uma estranha situação. A simbiose perfeita. Um saboroso bem-estar. Corpos separados e tão juntos. Os corações a baterem em uníssono. Percebemos, então, que somos dependentes um do outro. A vida a não ter sentido sozinha. Fica como se fosse um livro sem páginas. Um livro de não ler. Pressentimos e vivemos tudo em conjunto. Sabemos o que o outro sofre e dividimos o sofrimento. Há quem diga…
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