Crónica de Jorge C Ferreira | Olhos e Olhares

Olhos e Olhares
por Jorge C Ferreira

 

Os olhos a perderem-se num fundo oco. Um vazio que se anuncia. Os olhos de uma viagem inesperada. As mãos a separarem-se de forma muito lenta. Um fio de nada. Um nada que é tanto. Uma raiva de rasgar ondas. Raiva cega. Raiva gasta. Raiva dor. Raiva da despedida. O desfecho chorado. O fio que se parte.

Tanto se pode falar sobre olhos e olhares. Tantos olhos mataram olhos. Tantos olhares fatais. Quantos olhares especiais. Um olhar pode valer uma vida. Olhos que falam e choram sobre o que falam. Lágrimas que são gritos. Gritos abafados. Soluços olhados. Olhos molhados.

Olhos grandes. Olhos brilhantes. Olhos cegos de tanto ver. Olhos de todas as cores. Um cantor que os canta com sabedoria. Que lhes põe defeitos e virtudes. A vida e o arco-íris. Uma janela com flores. Pétalas que se perpetuam nos caminhos. Uma serenata numa esquina. O som das guitarras e as vozes a cantarem para uns olhos bonitos. Olhos sorriso. Olhos encantados.

Houve olhares que se cruzaram um dia. Foi num corredor escuro que só aqueles olhares iluminavam. Olhos que nunca mais deixaram de se olhar. Um corredor foi o caminho para  a ilusão, para a adoração. Uma forma mística de amar e estar. Olhos encandeados. Brasas e rosas no caminho a percorrer. Quentes os olhares. Ardentes os sentires. Vidas abraçadas, enlaçadas, aquele corredor sem fim.

Os olhares desencontrados. A vida a mudar o sentido dos ponteiros do relógio. Aventuras desenganadas. Quando os olhos não falam uns com os outros, pouca coisa acontece. Porque os olhos são faíscas, faróis para a vida, holofotes de sedução.

Ele soube dos olhos dela e quase morreu. Uns olhos que não conhecia. Uns olhos que cantavam alegrias. Olhos gastos de tanto procurar olhos. Passa o cego com a bengala a tocar nos obstáculos e armadilhas e ri. Ri do que não vê e segue o seu caminho. Os outros continuam em busca do que os seus olhos atingem.

Piscar o olho a alguém. Coisa caída em desuso. Os olhares agora são sedutores. Podem seduzir ou não. Podem ser fatais ou não. Podem riscar o céu ou agitar o mar. A vida a correr num olhar mudo. Juntam-se os olhares no centro do mundo e encontram-se olhos desenganados. Desenganam-se desencontros. Gastam-se olhares infinitos. Olhos tristes alegram-se. Um sorriso ao canto do olhar. O cantor continua a cantar. Uma serenata sem fim.

Procuramos o que o olhar não atinge. Procuramos sempre o mais difícil, o mais apetecido. Quantas aventuras abrigam o nosso olhar. Ver e ver-te ao fim de uma luz. Uma luz intensa e que não se gasta. Há uma vela sempre na sala. Uma vela que arde sabores. Uma vela cheia de olhos. Admiramos a chama. Adormecemos nela e com ela. Uma luz que ilumina os nossos olhos. Uma luz mais intensa. O segredo dos olhos mudos.

Meus olhos, teus olhos, nossos olhos.

Olhar.

«Olha, que conversa à volta dos olhos! Não desgostei.»

Fala da Isaurinda.

«Sobre olhos e olhares. Sobre a vida dos olhares. Fico feliz com as tuas palavras.»

Respondo.

«Tem calma. Eu só não desgostei. Entendes?»

De novo Isaurinda e vai, um sorriso em cada mão.

Jorge C Ferreira Setembro/2021(315)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

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22 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Olhos e Olhares”

  1. Cecília Vicente

    Olhar de frente, olhar de soslaio, ambos os olhares percorrem ou fogem ao olhar do outro, ou por timidez , ou por falta de coragem, há olhares que desistem, outros ousadamente desafiam à aventura. O que assusta é o olhar do medo no rosto de alguém, pode nem ser medo, mas identifico com um olhar de desanimo, vê-se muito por aí, basta estarmos atentos. Até o meu tem sofrido alterações, olho distante, olho querendo um horizonte onde ainda vislumbre nuvens de algodão macio e onde o sobressalto possa descansar, penso, apenas penso que o meu olhar se adiantou a envelhecer inesperadamente. Apenas isso, um olhar comum… Abraço meu amigo, gosto de viajar nestas segundas feiras pelos teus sonhos escrevinhados com a tinta do teu amor de alma por palavras que sintonizas e que entram dentro do nosso olhar. Obrigada!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Gosto tanto do teu comentário. Tu sabes dos poderes dos olhares. Dos olhos que procursm olhos. Abraço grande

  2. Manuela Moniz

    Que texto naravilhoso, Jorge. Como amo esse teu olhar sobre os olhos e olhares.
    “Quando os olhos não falam uns com os outros, pouca coisa acontece.” Tão verdadeiro, isto.
    A expressão do nosso olhar é tão reveladora do que pensamos e sentimos, de como reagimos às emoções. Gosto quando os olhos riem ao mesmo tempo que a boca, um sorriso num rosto inteiro, como o meu, quando te leio.
    Beijos, querido amigo. Obrigada por tanto, e tão belo que nos ofereces.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Manuela. Que belo esse oljar da Ilha. Tem mar. Como comentaste bem. Sabes quantos olhos nos olham? Há olhares e olhares. Grato, muito. Abraço enorme

  3. José Luís Outono

    “Um nada que é tanto”
    O simples de um criar intenso onde desbravas azimutes apelativos.
    Adoro ler-te, estimado amigo!
    Grande abraço!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado José Luís. Muito grato pela tua presença neste espaço e pelo teu belo comentário. Abraço grande.

  4. António Feliciano de Oliveira Pereira

    Os olhos refletem muito do que nos vai na alma; ter a capacidade de neles ler o que sentimos não é para muitos; vincam as perceções dos nossos sentimentos; identificam-nos perante incertezas de conduta, não faladas!
    Um abraço, Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado António. Saber ler os olhos. A doçura e a traição. Olhos que não mentem. Olhos que não calam. Grande abraço

  5. Eulália Pereira Coutinho

    Sublime. A vida num olhar. Os olhares de uma vida.
    Ver na escuridão. Sentir sem olhar. Olhar sem sentir.
    O olhar é o espelho da alma. Troca de olhares. Olhos sinceros. Olhos traição.
    O olhar e a sensibilidade do Poeta, sempre presente nos seus textos.
    Forma única de ver o mundo e a vida.
    Obrigada amigo.
    Grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Tantos olhos. Tanta maneira de olhar. Saber decifrar um olhar. Aprender a vida. Belo o seu comentário. Abraço imenso

  6. Isabel Torres

    Belíssima crónica! Olhei-a. Os olhos,os olhares:a forma mais genuína de amar (e odiar).

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Grato pelo seu olhar sobre a minha crónica. Concisa e perfeita. Um grande abraço

  7. Regina Conde

    O mais belo do nosso rosto,os olhos. Comunicar, contemplar, falar, sentir, segredos, alegrias. Claridade brilhante que nos ilumina a vida. Adoro olhar nos olhos. lindíssima crónica. Abraço imenso meu Amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Regina. Há olhos que saem do rosto. Um clarão imenso. Olhos que são corpos. Olhos que querem olhos. Abraço grande

  8. Maria Luiza Caetano Caetano

    O que os meus olhos leram, é tão bonito.
    Tudo tão delicado, tanta beleza em cada palavra sua.
    O poder do olhar ! Como é grande em seus olhos.Gostei muito. Deixo o meu olhar e a minha gratidão. Sublime texto, querido escritor.
    Abraço imenso.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria Luiza. O que os seus olhos fszem dos meus textos! Fico sem palavras. É tão gratificante ker os seus comentários. Muito, muiti grato. Abraço imenso

  9. Maria cristina Belchior Ferreira

    Uma crónica tão intensa quanto o saber olhar. Porque plhar é diferente de ver. Olhar vai muito mais além. Olha é ver o significado real. Implica interiorização, aprofundar naquilo que poderá nos trazer ou não alguma dor ou sofrimento.
    Ver dificilmente provoca atitudes, já o olhar requer atenção, contemplação, sentimento…
    Por isto e muito mais, está longe de ser na cor dos olhos, no seu formato que se encontra a verdadeira beleza. A beleza de um olhar encontra-se quando ele vê com a alma.
    Olhar.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Que belo o teu comentário sim, olhar o mundo e as pessoas. Tentar perceber se há alma. Ler por dentro dos olhares. Abraço enorme

  10. Isabel Barros Luis

    Não sabemos da alma senão da nossa:
    As dos outros são olhares,
    são gestos, são palavras,
    com a suposição
    de qualquer semelhança
    no fundo.
    Fernando Pessoa.

    Gostei muito, Jorge. Os olhos são os nossos guias no mundo.
    Beijinhos grandes.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Obrigado, tanto ter-te aqui é uma alegria. Belo o teu comentário. Abraço imenso

  11. Idalina Pereira

    Olhos que olham…
    Olhos que veem…
    Olhos que sorriem e riem…
    Os olhos são o” espelho da alma”!
    Como sempre as palavras são magistralmente trabalhadas.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Idalina. Tão lindo o que escreveu. Grato por estar neste espaço. Vamos olhar os olhares. Abraço grande

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