Um tempo parado por Jorge C Ferreira Anda no ar um receio imenso. Há quem lhe chame medo. Andamos todos a começar a ter sinais de uma maleita que nos cerca. Qualquer sinal nos faz ficar alerta. Nos faz criar ilhas. Nos faz ficar sozinhos. Há dois anos que andamos nisto. Há tanto tempo que andamos mascarados! Os testes, as vacinas, as várias doses e apesar de tudo ainda não nos sentimos à vontade. Chegamos a desleixar outros cuidados de saúde por causa disto. Desde que isto começou…
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Crónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – No Tem-Tudo
No Tem-Tudo por Licínia Quitério – Traz lugar? Pergunta o homúnculo por detrás do balcão, por debaixo dos capachos e dos mata-moscas pendentes do tecto, entalado entre os grandes frascos de rebuçados e a pirâmide multicolor dos alguidares de plástico. Ao silêncio de incompreensão do cliente, repete, aparentemente agastado: – Traz lugar ou precisa de um saco? É que temos poucos. Assim se fala na Drogaria Moderna, de João Cipriano (Herd.os), Lda, mais conhecida no bairro pelo Tem-Tudo. Fica numa dobra de velha Calçada de Lisboa, sinuosa como…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | O correr do tempo
O correr do tempo por Jorge C Ferreira Esta travessia que se vai tornando longa. Os dias que caminham nas páginas dos calendários. Calendários que não tenho em casa. Os meus relógios parados tremem por não dar horas. No entanto o tempo continua o seu caminho. A terra continua o seu caminho. As nuvens passam e deixam um sonho a voar em nós. Gosto de ver a dança das nuvens. O seu deambular. Por vezes imagino-me seu companheiro. Quantas viagens inventadas. Quantos mundos por inventar. Uma doçura que…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Um agradecimento aos tios
Um agradecimento aos tios Por Alice Vieira As tias que me criaram tinham uma paixão mórbida pelos mortos. O tipo podia ter sido um canalha—morria e era um santo. (Como cantava a Juliette Gréco, “os mortos são todos uns tipos bestiais!”). Além disso, para elas era quase um crime deixar morrer os parentes no hospital. Tinham de vir morrer a casa. À nossa, claro. De vez em quando havia um telefonema a avisar: “O tiozinho já vai para aí.” Tios que nem eram tios. Tios que eu nem…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – O pior vírus que anda por aí
Crónica de Alexandre Honrado O pior vírus que anda por aí A política é uma pequena parte da experiência humana. Já alguém escreveu que não é uma ciência exata, mas uma ciência triste. Precisa de apoio, precisa de quem lhe dê crédito e todavia desacredita-se e desequilibra-se sem necessidade de grande empurrão ou contraditório. Cresci a seguir debates políticos, antigamente os líderes eram carismáticos e enchiam ecrãs e colunas de som, mas foi esmorecendo o encanto que eu encontrava nos debates. Cheguei mesmo debater – e o cansaço…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Ano Novo
Ano Novo por Jorge C Ferreira É apenas uma noite apontada no calendário. Mais um dia que brota da madrugada. Mas quem construiu este calendário assim o decidiu. Uma volta ao sol e mais um ano. Lembro-me dos calendários pendurados nas casas. Os dias riscados, os meses rasgados quando acabavam. Sempre tive pena de fevereiro, sempre o vi como um filho enjeitado. Os calendários de casa e os dos camionistas de longo curso, das garagens, os calendários famosos inundados de beldades. Esse tempo em que os mecânicos se…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Uma palavra que nunca te direi
Crónica de Alexandre Honrado Uma palavra que nunca te direi Apaga-se o sentido crítico. É a atmosfera que dá origem à sensibilidade. Medite-se – verbo que requer disponibilidade – sobre a vídeocracia e a angústia sufocante dos primeiros anos do século XXI. Desejámo-lo portador de esperanças, utopias messiânicas que nos pareciam devidas depois de o século XX ter matado milhões de seres humanos, destruindo o lado mais afável que as ideologias podiam conter. Regressámos a modelos medievais incultos, populistas e variavelmente fundamentalistas; à revisitação de uma matriz que…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Peixe fresco
Peixe fresco por Licínia Quitério Claudino assomou ao patamar dos degraus de mármore que davam acesso ao piso inferior. Havia um número considerável de fregueses na zona do peixe fresco. Um vozear de mulherio percorrendo as bancadas, avaliando tamanhos, preços, grau de frescura. Pareciam muito zangadas as mulheres. Não encontravam o que queriam e já iam na segunda volta. Poucos os homens, calados, dando só uma volta. Os vendedores gritavam, uns para os outros, com vozeirões de sotaque de mar, arrastado. O chefe dos vendedores distribuia ordens a…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Natal
Natal por Jorge C Ferreira Estou a escrever este texto e ainda não sei como vai ser o Natal. Não sei sequer se ele vai acontecer. Esta minha triste sina de nunca saber nada sobre o futuro. Por isso não vos vou perguntar como foi o vosso Natal. Seria um contrassenso. Isto de escrever quase uma semana antes de publicar tem destas coisas. Correm-se riscos. Gosto de viver assim. Tive uma amiga que se dizia vidente encartada. Na rua era uma rapariga normal. Não voava. Nem deitava estrelas…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Um conto de Natal
Um conto de Natal Por Alice Vieira Desembrulha o presente que o marido lhe deu e fica muito tempo a olhar para ele, sem saber se há-de rir se há-de chorar. –Que raio de prenda – murmura a filha—Um papel velho numa moldura… Mas quem é que emoldura papéis velhos? Ela não responde. E olha para aquele papel velho, com os nomes escritos todos em maiúsculas,e no fim de tudo, “Madrinha Teresa” e de repente a voz da mãe há 40 anos gritando “claro, esqueceste-te da Madrinha Teresa,…
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