De ontem e de hoje – A Dona Rosária por Licínia Quitério Na loja da dona Rosária havia tudo, cabia tudo, nada se limpava, nada se fiava, nada tinha peso certo, nada tinha preço certo. Na montra da loja da dona Rosária havia um amontoado de objectos, grandes, pequenos, médios, de caixas, mais ou menos amolgadas, de moscas mortas de tédio, lá pelo meio. A loja onde reinava, absoluta, a dona Rosária, era um armazém de sacos, de tulhas. No balcão que sobrava dos objectos, dos sacos, das…
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Crónica de Jorge C Ferreira | Tudo a arder
Tudo a arder por Jorge C Ferreira Sim, há o “… fogo que arde sem de ver… “. Todos sabemos desses calores difíceis de controlar. Dos corpos que parecem perdidos. Do ardor insuportável. Dos rostos ensimesmados. Do caminho para a perdição ou para a salvação. Das noites gritadas. Já vi arder corações, amores que pareciam eternos, almas empedernidas. Não sou pessoa de desatar fogos. Sei que não posso ser o fogo eterno. Mas estou farto de ver arder sonhos. Não gosto de ver sofrer. Não me agradam corações…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | A história da minha vida
A história da minha vida Por Alice Vieira Eu só vou contar aqui o que me aconteceu há dias porque tenho muitas testemunhas, de contrário não dizia nem uma palavra porque ninguém me acreditava. Estava eu na esplanada da praia, aqui na Ericeira. Relia um dos meus livros, porque às vezes os miúdos fazem-me perguntas muito específicas, e eu já não me lembro bem de todos. Chega-se ao pé de mim uma senhora, que eu nunca me lembrava de ter ali visto, olhou muito bem para o que…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Um Amigo
Um Amigo por Jorge C Ferreira Era moreno, não muito alto, um sorriso malandro, sabia dançar. O pai dele imitava Fred Astaire em frente ao espelho grande da casa. Dançava e libertava-se. Chegou a dizer que estava a dançar melhor que o seu ídolo. Uma figura. Este meu Amigo vivia perto de mim. Frequentava o mesmo café. Com ele troquei vida e segredos. Tudo até uma altura em que a vida nos separou. Uma coisa de que não me perdoo até hoje. Há amigos que são para seguir…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Entre a vida e a morte
Crónica de Alexandre Honrado Entre a vida e a morte Íamos três. Nessa época era muito comum. Fazíamos centenas de quilómetros e conversávamos. As conversas eram mais compridas que os quilómetros contados. Estava um verão daqueles, que só algumas zonas do mundo conhecem, com temperaturas anormalmente altas e comentários anormalmente disparatados, atribuindo culpas a quem as não tinha, e endossando os caprichos da natureza às incapacidades humanas. Ainda na véspera tínhamos discutido coisas dessas, de vida e morte, como são sempre as coisas mais extremas entre nós, os…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Há que resistir
De ontem e de hoje – Há que resistir por Licínia Quitério – Há que resistir! – Respondia invariavelmente a quem lhe atirava o habitual – Como vai isso?-*-oikk Firmava a bengala no chão, a evidenciar algumas sobras de vitalidade, abria quanto podia os olhos esverdeados, agora enevoados pela poeira do muito tempo vivido, e repetia, com a voz já a quebrar na dentadura que oscilava: – Há que resistir! Se o ouvinte era “da cor”, puxava conversa: – Isto está cada vez pior. E andaram aqueles homens a…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | A Poesia e os Poetas
A Poesia e os Poetas por Jorge C Ferreira A Poesia é um mistério. Muitas letras escondidas numa arca antiga que se vão juntando. A Poesia tem templos onde o belo se celebra. Templos guardados por deusas, feiticeiras, alquimistas e gente que se diz que levita. As palavras dos poemas vestem sonhos e enigmas. São tintas de todas as cores. Falar com Poetas é falar com algo mais longínquo. É viajar e sonhar através do seu falar. Há quem diga as palavras dos poetas, verso a verso num…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | “Uma Questão de Língua”
“Uma Questão de Língua” Por Alice Vieira Há amigos que de repente me fazem muita falta. Numa altura ou noutra, por uma razão ou por outra Aqui há dias uma amiga minha começou a falar de um amigo basco que já não via há muito tempo—e eu desatei a rir. Claro que ela não percebeu porquê e eu tive de lhe explicar que ,de vez em quando ,tinha muitas saudades do meu amigo António Alçada Baptista, que contava histórias extraordinárias, para lá de termos uma coisa em comum:…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Escrever ou não escrever-me eis a questão
Crónica de Alexandre Honrado Escrever ou não escrever-me eis a questão Tenho de confessar que é um sintoma revelador dos meus desequilíbrios mais comezinhos o facto de não escrever. E às vezes a ausência é notória e dorida, acreditem. Quando estou feliz – ou pelo menos motivado – é na escrita que estabeleço os primeiros degraus de uma subida à tona, pois, mesmo sem grande objetivo a cumprir, sei que as ideias escritas fixam e fixam-nos enquanto seres, melhorando graus de entendimento e de sociabilidade, elevando os nossos…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Memória curta
Memória curta Por Alice Vieira Hoje vou falar de um grande amigo, meu camarada de redacção do “DN” durante vários anos, que morreu no passado dia 5, a meses de fazer 101 anos. Mas primeiro vou contar uma história divertida. Durante muitos anos o meu amigo foi padre. Chegou a ser director de um seminário, não me lembro bem onde. Mas um dia atravessou-se-lhe no caminho uma verdadeira luz, e não houve nada a fazer. Para ambos foi paixão, que duraria até à sua morte. Deixou de ser…
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