De ontem e de hoje – Coisas velhas por Licínia Quitério Nas casas sempre habitam coisas velhas, antigas, gastas, feridas pelo tempo, pela desatenção, preteridas pelas novas recém-chegadas, com outro brilho, outra utilidade, diferentes no desenho e na cor. Nas mudanças de casa, nas mudanças de gente, escaparam à devora de usurários e ao lugar dos lixos. Foram-lhes concedidos sótãos esconsos, gavetas, arcas de memórias. Quando chegaram até mim, procurei-lhes as feridas, tratei-as como pude, fui espreitando as marcas que me contassem histórias de outro tempo, de outra gente.…
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Crónica de Jorge C Ferreira | O Mar e o Respeito
O Mar e o Respeito por Jorge C Ferreira Cheguei a vossa casa e entrei numa alegria imensa. Primeiro abraçámo-nos e beijámo-nos com muita força. Um abraço de vida. Como se tivéssemos regressado de um tempo antigo. Há sempre um abraço maior na vida de qualquer pessoa. Depois começaste a contar a tua aventura e foi um tempo de sonhos e pesadelos. O mar, o azul imenso. Olhar as nuvens. Ver o seu tipo e trajecto. Navegar. Ser levado pelos golfinhos nas suas danças maravilhosas. Esperar que um…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Tesouros para todos
Tesouros para todos Por Alice Vieira No dia 6 de Maio, mas de 1957, era publicado o primeiro número do Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa. Claro que os mais novos nem sabem do que eu estou a falar, até porque o “Diário de Lisboa” fechou em Novembro de 1990. Não há ditado popular mais verdadeiro do que o que diz—e desculpem lá a palavra — “onde mija um português, mijam logo dois ou três”. Ai aquele tem? Eu também quero. Ai aquele encontrou? Eu também vou encontrar…
Ler maisCrónica de Mário de Sousa | ’Douro, Faina Fluvial’ – O Quotidiano Profano
Crónica de Mário de Sousa ’Douro, Faina Fluvial’ – O Quotidiano Profano Fez no passado dia 5 de Abril sete anos que Manoel de Oliveira faleceu. Idolatrado por uns, amado por outros e odiado por muitos, a sua falta de consensualidade deve-se ao pouco conhecimento que temos do cinema de autor. Pouco antes da sua morte, num colóquio sobre cinema português na Universidade Aberta apresentei uma comunicação com o título ‘Douro Faina Fluvial’, ‘Acto da Primavera’: os quotidianos profano e religioso em Manoel de Oliveira’. É a 1.ª…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – O que escrever quando é inútil a escrita
Crónica de Alexandre Honrado O que escrever quando é inútil a escrita Se Adorno[1], a propósito do Holocausto, afirmou que “já não é possível escrever poesia depois de Auschwitz”, é tempo de aceitar uma ideia que há muito me persegue: depois de tudo o que o século XXI tem produzido, já não é possível escrever uma prosa identitária e o que dela restar em afetividade arde no lume brando de todos os impactos traumáticos? (Falo da produção do Mal, para usar uma imagem fácil. Falo dos fundamentalismos, dos…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Uma Ilha
Uma Ilha por Jorge C Ferreira Viver onde se está. Viver como os que lá vivem e com eles. O arroz com feijão. As goiabas. Ao princípio da madrugada uma garrafa de rum. Viver devagar porque o calor era intenso. Acordar muito cedo e ir para o campo. A apanha dos frutos. A plantação de árvores. A vida a crescer. O tempo de todas as flores. Há países que são línguas que nos inflamam de ternura. A música, o canto, a nova trova. Ir à capital de todas…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – O PBX
De ontem e de hoje – O PBX por Licínia Quitério A miúda gostava das tardes quentes de verão na aldeia quando a tia Arminda, encostada a porta da rua da saleta, limpava com um lencinho as pérolas de suor da testa e do decote e se sentava frente ao aparelho do PBX para tirar cavilhas, meter cavilhas, baixar patilhas, levantar patilhas, com o olhinho atento às luzinhas que acendiam ou apagavam. E a voz era doce, delicada, ao dizer, Boa tarde Torres, Dê-me troncas, Ó Torres dê-me o…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | As guerras
As guerras por Jorge C Ferreira Há dias que custam a passar. Dias estranhos nesta voragem do tempo. São, por vezes, horas esquisitas que nos incomodam. Tempo que ilustra vontades não alcançadas neste mundo complicado que estamos a viver. Degraus que não conseguimos subir. Escadas que não têm fim. Já se fala tanto da guerra que não me quero atrever a falar de tal. Digo apenas que a Rússia invadiu a Ucrânia. Acontecimento que não aceito de modo nenhum, que me custa compreender. O importante é falar do…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Recordando o Juvenil do Diário de Lisboa
Recordando o Juvenil do Diário de Lisboa Por Alice Vieira No dia 6 de Maio, mas de 1957, era publicado o primeiro número do Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa. Claro que os mais novos nem sabem do que eu estou a falar, até porque o “Diário de Lisboa” fechou em Novembro de 1990. Mas a esmagadora maioria dos nossos escritores mais velhos passou por lá (Luísa Ducla Soares, Luísa Neto Jorge, Luís Castro Mendes, Jorge Silva Melo, José Mariano Gago, Hélia Correia, Pacheco Pereira, etc). Assim como…
Ler maisCrónica de Mário de Sousa | O regresso
Crónica de Mário de Sousa O regresso Uba Nhaga regressou da Bissau. Muitos anos de trabalho, dois cobertores de lã, dois pares de sapatos, uma farda de ganga descorada e algumas notas de peso dentro da mala de chapa, eram todas as suas bambas. Sem troco para toca-toca, viajou no pé, comeu raízes da terra e bebeu água de bolanha. Uba Nhaga, velho e cansado, voltava ao seu chão. Pouca gente encontrou na tabanca. Das suas mindjeris apenas a garandi, a primeira mulher, o esperou. Fora a única…
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