Crónica de Jorge C Ferreira | Joaquim Pessoa o Poeta dos amores

Jorge C Ferreira

 

Joaquim Pessoa o Poeta dos amores
por Jorge C Ferreira

 

Este é uma memória guardada há muito tempo e que decidi agora partilhar. Não a podia guardar mais. Uma tarde bonita que quero partilhar convosco.

A Poesia é um mistério, muitas letras escondidas numa arca antiga que se vão juntando. A Poesia tem templos onde o belo se celebra. Templos guardados por deusas, feiticeiras, alquimistas e gente que se diz que levita. As palavras dos poemas vestem sonhos e enigmas. São tintas de todas as cores. Falar com Poetas é falar com algo mais longínquo. É viajar e sonhar através do seu falar.

Há quem diga as palavras dos poetas, verso a verso, num encantamento. Há quem os cante, os musique e lhe dê uma emoção diferente. Há também quem estude a poesia e encontre o seu significado para muita gente. Que, com ela, ajude outros a pensar e a se regenerar. Toda esta gente, quando se junta numa sala, transforma-se numa espécie de irmandade, comunga do mesmo sonho. Todos buscam o belo. Todos sonham acordados.

Entra-se num parque, chamado dos Poetas. Entra-se num edifício a que chamaram “Templo da Poesia”. O anfiteatro é circular como se toda a vida nos envolvesse. Uma acústica óptima. Uma casa que depressa se encheu. Poeta, Cantor, Músicos, dizedores e muita ânsia de ouvir as letras que o Poeta juntou.

Também eu entrei. Tinha recebido um honroso convite para dizer dois poemas do Poeta homenageado. Tinha uma coisa que não gosto, uma cadeira reservada. Ia tentar fazer parte do que se queria uma festa. Ia tentar cumprir com o que me tinha sido pedido. Levei a primeira edição de um livro do homenageado. Um livro com muitos anos, de tal modo que, dentro, tinha um cartão perfurado incólume. Finalmente fiquei com aquele livro assinado e com dedicatória. Duas relíquias num objecto que é de culto. Um objecto que guardo e resguardo. A minha biblioteca ficou mais rica. Durante a noite, podem não acreditar, ouvi os livros a conversar sobre o que tinha acontecido àquele companheiro.

A comemoração da vida ia começar. Para o Poeta era a gratidão que todos lhe devemos. Para os outros a responsabilidade de tornar a festa bonita. Tudo organizado pelos responsáveis da página “Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen”, Lília Tavares e Carlos Campos e sob a ideia de José Proença de Carvalho.

Um trio musical, guitarra, oboé e violino tocaram músicas que Carlos Mendes fez para os poemas do Joaquim Pessoa. Três jovens com talento que nos trouxeram outro som, outro sentimento. Uma nova vida.

Chegou a hora de subir ao palco e lá fomos, a Conceição Lima, a Ana Albergaria, a Isabel Curica, a Ana Coimbra, o José Fanha e eu. Aqui há uma coisa que quero salientar, dizer poesia com o José Fanha, que eu considero um Mestre, deu-me uma alegria imensa. Obrigado, meu Amigo, por esta alegria maior.

Depois Carlos Mendes subiu ao palco e tomou conta do espaço todo. Tomou conta do piano e deu voz, desde as canções mais antigas feitas pelos dois, até duas canções inéditas. Pelo meio apareceram estórias que alegraram e deram colorido à sessão.

Quando Carlos Mendes cantava a inesquecível “Amélia dos Olhos Doces” entrou a esvoaçar pela sala uma bailarina que encantou de movimento o tempo da música. Eu sei que os bailarinos voam. Não me digam que não.

Quando, por fim, subimos todos ao palco e o Poeta falou, foi o encerramento perfeito. Todos se esqueceram da pandemia e se abraçaram e beijaram. A celebração tinha terminado. Joaquim Pessoa tinha sido homenageado com amor.

Parabéns, Poeta.

Jorge C Ferreira Outubro/2022(366)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velhinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

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31 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Joaquim Pessoa o Poeta dos amores”

  1. Maria Matos

    Maria Matos 10 Setembro 2022
    Que bom ter publicado esta recordação
    Linda deve ter sido a homenagem ao grande poeta que é o Joaquim Pessoa… bom lê-lo , como ele fala sobre o Amor.
    Linda que deve ter sido a festa, com gente tão bonita, e que tão bem” faz poesia”, como acontece consigo Jorge.
    Linda festa… linda e merecida homenagem!

  2. Cecília Vicente

    O poeta Joaquim Pessoa, que há a a dizer ou escrever sobre o poeta todo ele poesia,todo ele palavras, todo ele um universo de poeta que só ele e o seu mundo de palavras nos faz sentir toda uma realidade, toda a transferência do poema que passa a ser pertença de cada um de nós que tem o privilégio de o ler e conhecer. Obrigada, meu amigo por nós ofereceres e lembrar o “nosso” Poeta.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Que pena não teres estado. Foi um festa bonita. Foi a celebração da Poesia e o agradecimento ao Poeta. Uma entrega inteira. Grato por estares aqui. Abraço

  3. Regina Conde

    O que dizer do meu querido Querido Poeta Joaquim Pessoa. Tão bela a tua voz de Poeta que és. Sentida emoção e orgulho de te conhecer. Obrigada Jorge. Abraço Amigo.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Regina. O Poeta dos Amores. O tempo da CDL. Um tempo tão antigo. A minhs gratidão por tudo. Abraço

  4. Eulália Coutinho Pereira

    Excelente. A poesia , sonho de uma vida. Alquimia de amor. Encontro de poetas. Palavras escritas, ditas, declamadas, cantadas. Momentos únicos. Emoções.
    Grande homenagem ao Mestre e Poeta Joaquim Pessoa
    Obrigada Amigo, pela partilha destes grandes momentos vividos com pessoas, que enriquecem a cultura, com a poesia.
    Grande abraço.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Eulália. Sim, minha Amiga, há algo de alquimia na feitura de um poema. Hâ ums busca incessante pela palavra perfeita. É bom ouvir a Poesia pela voz de quem a sabe dizer. Grato pela sua presença, sempre. Abraço

  5. Isabel Soares

    O cronista decidiu hoje homenagear um poeta ( cujos poemas costumo publicar; diz o amor como ” ninguém) e uma experiência marcante com o mesmo. Momento glorioso, percebe-se.
    É um texto que remete quer para a arte ( particularmente a poesia, essas palavras mágicas, de facto) em geral quer para o seu sentir, neste caso, a poesia, dos outros ( não nos esqueçamos de que também é poeta). Em jovem adulta tinha uma expressão na cabeça: A poesia diz a vida”.Agora diria: a poesia -alguma-diz a minha vida.
    Como refere o autor do que depreendo, a poesia é uma arte do espanto, da descoberta, do sonho e assume contornos da essência da realidade, individual e social onde o mistério se encontra à beira de ser desvendado. Neste quase “saber” estamos sempre a perdermo-nos e a reencontrar-nos.
    O sonho de que o cronista fala é a realidade outra. A que foge aos factos e as números, por exemplo, mas não aos sentimentos e à humanidade. Não ao âmago das coisas. À beleza mesmo quando escreve sobre algumas fealdades Presente nesta crónica, nos escritos e poemas deste escritor. Caracterizo-o pela beleza das palavras e pela pureza também.
    Um hino à poesia e a homenagem a um grande poeta: Joaquim Pessoa

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Isabel. Sempre belos os seus comentários. Comentários que definem uma leitura atenta e interessada. Hoje a poesia a correr pelas suas veias. Amar a Poesia é uma arte de viver e sobreviver neste triste mundo. A minha imensa gratidão. Abraço

  6. Filomena Geraldes

    Existe um lugar onde as palavras se tornam matéria viva e fulgorante. São como que uma espécie de estrelas de uma existência paralela.
    Há quem já as tenha escutado respirar.
    soluçar. gargalhar. suspirar. clamar. assobiar. cantar. declamar. assoar. interrogar.
    Existe um lugar, no meio de uma floresta encantada, junto ao burburinho do mar que os poetas
    vão amiúde visitar.
    Levam um saco translúcido, forrado de folhas e coberto de flores rubras, coloridas, onde escolhem as palavras com que cumprem o seu destino. Escrever!
    Conservam-nas, junto ao peito, para que não arrefeçam. É no calor do seu
    corpo morno que elas nidificam.
    São palavras de origem vária. Desde as mais humildes, da rua, às usadas nas palestras formais ou nos salões palacianos…
    Há as que são brincalhonas, sérias, bem humoradas, empolgadas, indiscretas, extasiadas, rebeldes, impostoras, exuberantes ou tímidas.
    Afirmam os poetas que não conhecem mundo mais palpitante e efervescente de vida do que esse.
    Se a morte delas faz parte? Claro.
    A morte é apenas mais uma palavra.
    Ora, como eu ia dizendo, foi à saída desse portal que se encontraram dois grandes poetas. Jorge C. Ferreira e Joaquim Pessoa.
    Dizem as boas línguas que se admiram mutuamente e que têm uma similar paixão.
    Pelas palavras. Pela poesia. Pelo canto. Pela arte de bem-dizer.
    Por esse terreno fértil onde nascem
    e florescem.
    Eu? Nada sei. Só vos conto o que ouvi dizer. Às palavras…

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Mena. Cada vez mais belos e inteiros os teus textos. Pura poesia. As palavras que nos percorrem o corpo. Não sei que te dizer mais. Apenas que estou eternamente agradecido pela tua presença neste espaço. Abraço

  7. Deve ter sido um momento maravilhoso!
    Beijos, amigo.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Sofia. Sim, foi lindo. Todos entregaram o melhor de si. Uma avalanche de ternura. Que bom estares aqui. Abraço

  8. António Feliciano Pereira

    Não tenho pena de não ser poeta, mas gosto, delicio-me com declamações por quem sabe realmente fazer a transmissão da alma que o poeta deixou escrita. São belas as palavras que se unem em uníssono, que em um sentimento se cantam.
    Um abraço, Jorge!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado António. Há quem diga que a Poesia é o início de tudo. Tanta beleza num Poema dito com sentimento. É tão bom ter aqui a sua voz. Muita gratidão. Abraço

  9. RAQUEL LAMEIRÃO

    Mas que emocionante e belo texto Jorge!!! Só os bons escrevem assim dos seus pares…..
    Que inveja boa me invadiu ao ler este texto ….já que Carlos Mendes é um dos meus cantores favoritos, com a sua voz límpida e os poemas de Joaquim Pessoa são divinais….
    Amélia dos olhos doces deixa-me sempre enebriada….pelo magnífico poema e a emoção que o Carlos lhe transmite….
    O Jorge tem a capacidade de escrever e relatar um acontecimento, e transportar-nos ao momento vivido! Quase sinto que estive lá……abraçando-vos a todos!!! Bem hajam…..continuem a fazer valer a pena!! Obrigada ❤

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Raquel. Sim, foi tudo muito belo. Uma entrega plena. O melhor de cada um. Olhos que brilhavam. Afinal fizemos tão pouco. Mas fizemos com Amor. Continue a aparecer aqui. Faz falta. Abraço

  10. Maria Luiza Caetano Caetano

    Meu poeta, é encantador o texto que escreveu, quando da homenagem a Joaquim Pessoa.
    Emocionei-me, até sentir os meus olhos com lágrimas. Senti-me envolta em poesia.
    Um mundo de palavras lindas, que só existem para os poetas. Só eles as conhecem.
    Um sonho mágico. Que guardarei na minha memória.
    Uma festa inesquecível !
    Abraço de gratidão.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria Luiza, minha Amiga tão especial. A sua generosidade é única. Gostava que estivesse estado connosco naquele anfiteatro. Valeu a pena. A minha imensa gratidão. Abraço

  11. José Luís Outono

    Excelente.
    Leio-te e visualizo um poeta de enorme estima e admiração.
    Permite-me, ter um livro prefaciado por Joaquim Pessoa é uma honra imensa.
    Abraço muito grato, estimado amigo !

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado José Luís, Poeta. Senti a tua falta. Foi um momento único. Uma tarde de encantamento. Isso é a Poesia. O J.P. é um ser que merece. Grato por estares aqui. Abraço.

  12. Lénea Bispo

    Só posso dizer que também estou muito emocionada, e imagino a festa que foi a apoteose desse dia de homenagem a um poeta que nos deixou mais pobres.
    Partilhar momentos assim , faz- nos crescer e partilhar com os outros essa experiência , é também ajudá- los a crescer na certeza de que a Poesia compensa .

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Lénea. Felizmente temos o Joaquim entre nós. Um poeta dos amores e do “Amor Combate” o tal livro que me assinou. A festa foi bonita, pá. Devias ter ido. Grato pela tua presença aqui. Sempre uma alegria. Abraço

  13. Que bela crónica, até dá gosto ler…

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Alberto. Muito grato pela sua presença neste nosso espaço. Espero continuar a vê-lo por aqui. Abraço

  14. Raul Manuel Freitas Araujo Rocha

    Meu querido amigo , que saborosa esta crónica – poema!! Só um poeta fala assim doutro Poeta…Entre vós, cultiva-se a magia maior das palavras que é essa possibilidade única de dizer o dizível e o indizível, o visível e o que a alma sente…Joaquim Pessoa é o nosso Mestre : espreme as palavras até ao sumo e junta-as como quem aperta um corpo quente…Um MESTRE!
    Bem hajas, amigo!Foi uma tarde fantástica em que nos sentimos, todos, enlaçados pela mesma admiração e emoção! Para ti, o meu enorme abraço!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Raul. Disseste tudo neste teu belo comentário. Há uma espécie de irnandade latente quando os que amam a Poesia se juntam. A minha gratidão pela tua presença. Espero continuar a continuar com a tua presença. Abraço

  15. maria rosa matos

    Belo programa a segredo guardado.
    Parabéns Poeta e Mestre. Quanto me alegraria ter estado presente mas, segredo é segredo.
    Abraço

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria Rosa. Que pena não teres estado. Irias sair mais feliz daquele espaço. Foi uma festa linda. A minha gratidão. Abraço

  16. Ivone Maria Pessoa Teles

    Muito belo o teu parecer. Aliás, és também um Poeta do Amor. Consegui, através das tuas palavras, voar com o bailarino. Vi tudo o que se passou antes e depois. E o que não li/vi adivinhei através das bonitas palavras. Que VIVA A POESIA. Beijinhos.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. Foi uma festa muito sentida e terna. A magia da Poesia fez o resto. O espanto de achar a palavra procurada. Muito grato por estares aqui. Abraço.

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