Crónica de Alice Vieira | Amor Virtual

Amor Virtual Alice Vieira   Computadores, smartphones, a net em geral dominam cada vez mais a nossa vida. E o jeito que nos fazem. Já se ama e se desama através da net. Rápido, eficaz e indolor. Em vez de chorarmos no ombro do homem que nos deixou implorando-lhe que volte, clicamos para o Youtube, escolhemos uma cantiga daquelas que o vão põr—esperamos…-de rastos, carregamos no “share”, e a vingança está feita, e não pensamos mais no assunto. Há cantigas apropriadas para todas as ocasiões (para os que nos deixaram,…

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Crónica de Alice Vieira | A felicidade das doenças

A felicidade das doenças Alice Vieira   Os autocarros são o ponto de encontro de todas as mulheres doentes de Lisboa. Mesmo que anteriormente vendam saúde, chegam ali e zás!, ele é o reumático, ele é o fígado ,ele são os rins,  ele são as insónias, ele é o coração, ele são os nervos, ah, sobretudo os nervos! Não há como uma bela doença (normalmente  acompanhada por uma série de análises “que nunca dão nada, dizem eles, mas eu é que me sinto”) para estabelecer uma onda de solidariedade entre…

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Crónica de Alice Vieira | Coração de manteiga

Coração de manteiga Alice Vieira   Não sei se há caras normais, não sei sequer o que é uma cara normal, mas ele tinha uma cara normal. Lembro-me de ter pensado isso quando olhei para ele depois de tudo –muito calmo, como se nada se tivesse passado. A sala de espera de um  consultório  é aquele estranho lugar onde geralmente ficamos em dia com as desgraças, amores e desamores de gente certamente muito importante porque as suas fotografias enchem páginas e páginas das revistas, mas de quem nunca ouvimos falar.…

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Crónica de Alice Vieira | Desconhecido nesta morada

Desconhecido nesta morada Alice Vieira   Tenho a sorte de morar num bairro de gente. Quer dizer : num bairro de prédios normais e não de torres gigantescas, num bairro onde as pessoas ainda se conhecem e ainda vivem, não se limitando a sair de manhã cedo e a voltar ao fim do dia. No meu bairro—apesar de já muita loja ter fechado ou mudado de ramo…– ainda existem vizinhos. Muitas vezes as mais velhas estão à janela, e ali ficamos a conversar. (Há dias, eu a passar debaixo da…

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Crónica de Alice Vieira | A propósito de orquídeas…

A propósito de orquídeas… Alice Vieira   Com tanta gritaria que vai por aí—estava ou não estava nas “Raríssimas”, roubaram ou não roubaram, pagaram ao fisco ou baldaram-se (agora até o Cristiano Ronaldo entrou na dança) ,a IURD que faz e acontece , e os furacões Ana e Bruno a atacarem sem piedade —eu hoje decidi fechar para férias. Isto é: decidi impermeabilizar ouvidos e olhos a todo o arraial que vai lá por fora, e ficar a olhar para as minhas orquídeas. Qual Nero Wolf de S.Sebastião da Pedreira.…

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Crónica de Alice Vieira | Ídolos…

Ídolos… Alice Vieira   Na semana passada, em Paris, deram-se os primeiros (e parece que  sólidos) passos para a criação do Instituto da Lusofonia. Com o patrocínio dos presidentes da República de França e de Portugal, da CPLP, da Unesco, da OIF (Organization Internationale de la Francophonie), e do GAFF (Groupe des Ambassadeurs Francophones de France). Três dias de conferências, e debates, com a participação de diversos ministros, deputados, escritores, músicos, artistas dos países de língua oficial portuguesa. Bom. Esta é a parte séria da crónica. Agora vem a parte……

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Crónica de Alice Vieira | As nossas pátrias

As nossas pátrias Alice Vieira   Para a semana tenho de ir apanhar um avião para Paris. Claro que, a esta hora, ao tempo que a mala já está feita. Pequena, que eu sempre aprendi a viajar só com o essencial. E, se bem me conheço, para aí quatro horas antes do voo já eu hei-de estar no aeroporto. Por razões de saúde, neste último ano não tenho viajado muito. Mas até há pouco tempo quando, por exemplo, um miúdo numa escola me perguntava “onde é que mora?”–eu ria e…

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Crónica de Alice Vieira | Ele há cada palavra…

Ele há cada palavra… Alice Vieira   Se depender de mim, os correios nunca irão à falência e hão-de ter sempre vida longa e próspera. Não há-de haver muita gente, concordo, que, nestes tempos websummíticos  escrevam cartas e postais todos os dias. Mas MESMO todos os dias. E muitos. Ainda não há muito tempo, Novembro era o mês em que eu inundava as duas estações de que “gasto” em Lisboa, com cartas e encomendas para amigos que viviam em terras  para  lá do sol posto. Das primeiras vezes, o funcionário…

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Crónica de Alice Vieira | Dia de finados

 Dia de finados Alice Vieira   As tias que me criaram tinham todas o culto exacerbado da morte. Não ligavam muito aos vivos—mas ninguém lhes levava a palma no choro pelos mortos. Podiam estar anos sem ver uma pessoa mas, no dia do seu enterro, não largavam o caixão até ele descer à terra, sendo sempre muito acarinhadas pelos presentes que, diante do seu choro convulsivo, as tomavam por familiares muito próximas do defunto quando, na maior parte das vezes, não passavam de simples conhecimentos das termas de Caldelas. Uma…

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Crónica de Alice Vieira | O cheiro a fumo

O cheiro a fumo Alice Vieira   Hoje—e até daqui a muito tempo—todas as ruas cheiram a fumo. Hoje—e até daqui a muito tempo—todas as palavras cheiram a  fumo. Hoje—e até daqui a muito tempo – tudo cheira a fumo. De repente, o mesmo cheiro que entrava pela minha casa, no princípio daquele mês de Setembro de 1966. Eu tinha pouco mais de 20 anos, e nessa altura vivia em Rio de Mouro, uma pequena aldeia perto de Sintra. E sempre que chegava o verão, chegavam os incêndios. Quer dizer…

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