Crónica de Alice Vieira | Na Morte de Celeste Rodrigues

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NA MORTE DE CELESTE RODRIGUES
Alice Vieira

 

“Sempre tentei não ligar às coisas más. Para mim, o importante são todas as coisas boas que a vida me deu. O resto esqueço. Talvez por isso ainda continue a  cantar, na minha idade, já viu? Mas eu não me sinto com a idade que tenho, é verdade. Há dias tinha almoçado num restaurante e chamado um táxi para voltar para casa, e a empregada disse-me “ vá, dê-me o braço que eu ajudo-a a entrar para o táxi”. E eu, ”está-me a chamar velha, é?” Pois…É que eu não sei o que é ser velha… Claro que há coisas que já não posso fazer, evidentemente…Namorar, por exemplo…Mas gosto muito de me divertir, gosto de me distrair, adoro “trapos”, adoro ir às compras. Adoro poder fazer a vida que eu quero. Olhe…Vou-lhe dizer uma coisa: não tenho telemóvel! Palavra! O meu neto Diogo está sempre a insistir comigo mas eu já disse que não quero! O quê? Para toda a gente saber onde é que eu ando? Isso é que era bom…”

Celeste Rodrigues– 95 anos feitos em Março, e ainda a entusiasmar quem a ouve, como ficou provado no último recital que deu, em Maio, no Tivoli.

Uma voz que lhe sai das entranhas. Uma voz rouca como nunca teve, a   não ser quando começou a envelhecer. Lembro-me do meu espanto quando ouvi aquele extraordinário CD que gravou em 2002. Que voz era aquela? Como é que, de repente, à beira dos 80, se podia ter uma voz assim?

Celeste Rodrigues– que conseguiu libertar-se do rótulo que durante anos lhe colaram à testa: irmã da Amália.

Mas não há nada, no seu discurso, que dê a entender mágoas, ressentimentos.

Nada disso.

Diz que sempre se deram muito bem, desde que aos 5 anos veio do Fundão, onde ambas nasceram, e olhou para a irmã, mais velha três anos e há quatro a viver na capital com os pais, e que só se lembrava de ver em fotografia.

“Cada uma tinha o seu fado. Mas andávamos juntas para toda a parte e ela dizia sempre que a irmã mais nova também cantava. E acabou por ser ela a empurrar-me… Cantei muitas coisas…Mas o  meu primeiro grande sucesso, o que fez com que eu deixasse de ser apenas “a irmã da Amália” foi… ai que horror… aquela coisa chamada “Olha a Mala”… A letra era horrorosa mas estavam sempre a pedir e eu tinha de cantar, até que um  dia eu disse, “pronto, acabou, não canto mais esta coisa.” E afirma que os seus fados preferidos são “A Lenda das Algas”, “Saudade Vai-te Embora”, “O meu Xaile” e o “Fado Celeste”

Depois de uma longa vida por casas de fado, retiros, 60 discos gravados, tournés pelo estrangeiro, cinema, teatro, amores e desamores— diz que ainda quer fazer muita coisa.

“O quê, ao certo, não sei. Mas não gosto de estar parada. Aos 80 anos comecei a pintar, imagine . E dizem que nem pinto mal…E escrever, também escrevo umas coisas, uns desabafos, umas histórias para crianças, mas só para mim, não mostro a ninguém.”

Mas vai-se confessando “preguiçosa”…Tem um novo disco em preparação mas ainda não sabe quando estará pronto

Aos 95 anos, gosta de se vestir bem, sempre. De pôr baton vermelho. De pintar o cabelo. De ter muita gente em casa. Do barulho.

Gosta de cantar com a geração mais nova. E tem um  certo orgulho por saber que o seu bisneto Gaspar , actualmente com 14 anos, aprendeu a tocar guitarra para a poder acompanhar. Sente-se –e o neto Diogo afirma-o muitas vezes—que ela é , e foi sempre, o pilar da família. Que, para ela, esteve sempre em primeiro lugar. Por isso  talvez não tenha tido a carreira que poderia ter.  Por isso diz que nunca quis ser vedeta, o que sempre preferiu fazer foi cantar nas casas de fado.

Ou seja : cantar. Sempre. Todos os dias. Quando vê Lisboa, quando olha para o mar, as suas paixões.

“Acho que não canto mal… Mas não faço nada para tratar da minha voz…Nada…Como gelados, azeitonas, durmo pouco… Mas não bebo álcool nem café…E deixei de fumar há 8 anos ,quando tive um efisema pulmonar…     Canto sempre, todos os dias…Acho que só quando estou a dormir é que não canto…O fado é a minha vida..Mas a vida artística, estar hoje aqui, amanhã ali, horários rígidos… isso nunca me atraiu…A família, os amigos, isso é que é importante.E sabe como é que eu um dia gostava de ser recordada? Gostava que as pessoas dissessem de mim: “era uma boa pessoa”. Isso é que é realmente importante.”

 

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