Crónica de Jorge C Ferreira | Os Ingleses

Os Ingleses
por Jorge C Ferreira

 

A treta da mais antiga aliança. Estou habituado a ouvir isto desde as primeiras horas da madrugada que me lembro de ser. Sua majestade de mala no braço. Era muito miúdo e ela já rainha. Fui vê-la num desfile que metia coches na Avenida da Liberdade, liberdade que nessa altura não existia, corria o ano de 1957 e eu tinha 8 anos. Fui com o meu primo e, nesse dia, conheci a namorada dele. Fui o primeiro lá de casa a conhecê-la. Acho que foi o facto mais importante para mim.

Entretanto as bifas começaram a visitar-nos e iam para o Algarve. Ainda o Algarve era um sítio de bem-estar. Iam e voltavam, algumas ficavam. Outras iam ter os filhos a Inglaterra. Era bonito o Algarve. A movida de Albufeira era conhecida, o 7 e meio e a música ao vivo.

Meia Lisboa ia por aí abaixo. Não havia autoestrada. A paragem em Canal Caveira para um bom cozido à portuguesa era inevitável. Depois a serra, as curvas e contracurvas. Havia quem enjoasse. Uma aventura esta viagem.

Fui de muita maneira para baixo. Fui algumas vezes à boleia. Íamos pedir boleia à saída de Setúbal, sei que havia uma Praça de Touros. Por vezes tínhamos sorte, havia quem nos levasse ao sítio que queríamos. Cabanas de Tavira, Armação de Pera, Albufeira, variávamos. Alugávamos quartos a meias. Discutíamos o preço. Havia quem fugisse sem pagar. Loucuras da Juventude.

Tudo isto vem a propósito da posição do Governo Inglês em relação a Portugal. Todas as fronteiras abriram para que a Final da Champions entre duas equipas inglesas fosse realizada no Porto. Final que os Ingleses não quiseram fazer. Nós, sempre prontos para dobrar a cerviz, logo aceitámos. Ia vir tudo em bolha, sim, porque o jogo ia ter assistência. Os que vinham com bilhete e iam e vinham no mesmo dia de avião, tudo bem. O resto um desastre. A cerveja aos litros, a ribeira inundada, gente em tronco nu aos gritos. Tudo sem máscara, nem distanciamento social. As cadeiras nos costados uns dos outros. Que festança. Depois de tudo isto ainda houve vozes autorizadas que declararam que tudo correu bem.

Com esta abertura muitos outros ingleses voaram para o Algarve e para outros lugares de Portugal. Foi declarada aberta a caça ao turista. Lá foram chegando aviões cheios de súbditos de sua majestade. Os tais súbditos de quem muitos gostam de ser súbditos.

Via-se alegria nos rostos dos que vivem disto. Muita gente honesta que tem passado mal. A coisa ia animar – diziam.

Afinal, uma semana depois, o governo inglês fecha de novo a torneira e põe-nos numa lista que obriga a quarentena  quem vier de Portugal.

É ver os ingleses nas bichas para fazer um teste no aeroporto. A partir mais cedo para evitar a quarentena. Os preços dos voos a dispararem. Os aviões cada vez maiores. Parecia estarmos perante uma ponte aérea. Dava ideia que uma catástrofe tinha acontecido em Portugal.

Assim andamos nisto, Ingleses vêm, ingleses vão. Poucos ficam.

Temos de deixar de ser servis com esta gente.

Aqui se aplica o provérbio popular: “quanto mais te baixas mais se te vê o cu.”

«Tens razão, aquilo do Porto foi uma vergonha. Mas escusavas de colocar esse dito com as palavras todas.»

Fala de Isaurinda.

«O provérbio sempre foi dito e escrito assim Qual é o mal?»

Respondo.

«Para mim é feio, não gosto. Pronto.»

De novo Isaurinda e vai, um sorriso trocista na mão fechada.

Jorge C Ferreira Junho/2021(306)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

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14 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Os Ingleses”

  1. Cecília Vicente

    Pois é, os ingleses…
    Eles fazem, eles abusam, fizeram, e, todos acharam bem em prol da economia. Lembro-me bem no meu algarve ver muitos desses “camones” que a Dona Rosália a dona da frutaria onde obrigatoriamente todos passavam e paravam para espanto dos meus doze anos compravam melancia, tomates e uma garrafa de água, na minha inocência não sabia que lhes chamavam os tais turistas de pé descalço. Os tempos mudaram, mas, tal como cá e lá há os bons e os maus comportados… O que me espanta e entristece é continuarmos a achar o mau como se fosse óptimo para nós e para a economia deste nosso Portugal. Haverá em qualquer lugar do mundo os bons,os feios e porcos que estragam a imagem que não corresponde a um todo. O meu algarve, que saudades tenho das minhas pisadas até ao largo da Sé, subir e descer dezenas de vezes com recados nem sempre com sucesso, a cantilena para não os esquecer não surtiam efeito assim que a laranjeira da esquina com um dos seus ramos salientes me convidava a um audaz baloiço furtivo, um segredo muito meu, ali, eu deixava a minha timidez para me tornar aventureira, ainda que o medo segredasse : se caíres que desculpa irás dar? O meu anjo do bom senso segredava-me, saí daí, olha que se caíres ainda ” apanhas” uma chinelada daquelas que tens de dar corrida para ela bater na parede antes de galgares os degraus… Tempos que não recordo senão neste instante que por aqui passei… Obrigada, meu amigo, o teu lado sensato leva a que pense no muito que a razão te inspira. Abraço!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Que bonito o que escreveste. Que Algarve nos contaste. Obrigado por estares aqui minha Amiga. Um Abraço enorme.

  2. Filomena Maria de Assis Esperança Costa Geraldes

    Os nossos eternos “aliados”… Os ingleses.
    Sim, era o que contava à miudagem nas aulas.
    Mas não me ficava por ali, não, nem pensar. A História quer-se preto no branco. Com os jogos de interesse económico, as contrapartidas, os que enganam e os que se resignam. E por aí não vou pois escreveria um tratado e não foi isso que me solicitaram.
    Opto por ir aos Algarves, pela serra. Passando por Canal Caveira e o seu gostoso cozido. Opto, já lá vão tantos anos, descer até ao sul, a terra da mourama e abastecer-me de sol, praias, uma gastronomia maravilhosa e, naturalmente, dar de caras com os turistas ingleses que “adoram este país” pois o seu é parco em luz natural e lugares à beira-mar plantados.
    Quanto ao governo inglês, o nosso cronista deixou bem claro todo o enredo desta história de contornos bizarros.
    Eles vão e vêm. Deixam as suas marcas. E que marcas! Vêm e vão.
    Como sempre fizeram.
    O Jorge delineou a narrativa com um indiscutível sentido crítico e uma análise de observador atento e eficaz.
    Bem hajas, Amigo, por te manteres vigilante. Por não deixares passar em branco os despropósitos dos súbditos de sua majestade.
    Como é habitual, espero por ti para a semana. Vem sempre.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Mena. Que csmonhar nos trazes. O caminho di Sol. É tão bom ter-te aqui. Que bem dizes das tuas razões. Grato, muito grato. Abraço imenso

  3. Ivone Teles

    Infelizmente, com ou sem confinamentos, será sempre assim para com os súbitos de ” suas majestades “. Durante alguns anos, um grupo familiar onde nos incluíamos, íamos a Londres. Gostava, não digo que não. Incluíamos um Teatro e umas voltas. Levávamos a Neta, depois de ela ter uns 6/7 anos. Mas nunca apreciei o modo de ser dos ingleses. Muito menos quando vêm para cá. Se pudessem seríamos seus ” escravos ” e, o pior que há quem goste dessa subserviência. O provérbio popular está muito bem aplicado. VIVA A REPÚBLICA !!!!!!! Beijinhos à Isaurinda e para ti, meu amigo/ irmão..

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone. Fui frequentador assíduo de Londtes e sou agora de Bristol. A minha querida sobrinha (Inglesa) leva-me lá sempre que posso. Mas, cada vez mais é ela a querer vir para cá. Não são dos piores. Quando biajo pelo mundo com pessoas de diferentes nacionalidades vou medindo comportamentos. Os do futebol são horríveis. Abraço muito grande.

  4. Maria Luiza Caetano Caetano

    Que crónica maravilhosa e oportuna. Tudo tão bem dito. Feio o comportamento dos que se acham os donos do Mundo.
    E que triste e furiosa eu fico, de ver o meu País sempre de joelhos.
    A humildade é dos grandes! E de servir o próximo não me importo. Mas ser servil não.
    Ser pobre não é defeito. Mas a falta de dignidade é triste e tem limite.
    Já disse demais. Pois eu subscrevo cada palavra sua, querido escritor.
    A Isaurinda com quem sempre estou e irei continuar a estar, vou pedir-lhe que faça de conta, que não ouviu nada demais. Acredite que ainda foi pouco.
    Obrigada, sempre pelas palavras atentas, e verdadeiras querido escritor. Gostei muito.
    Abraço enorme.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria Luiza. Sim, temos de deixar de ser servis. Temos de ter a noção dos nossos direitos. Grato. Abraço enorme

  5. António Feliciano de Oliveira Pereira

    A Isaurinda é dos tempos do primor das palavras. Hoje, seja qual for vernáculo em causa, a sociedade aceita com muita naturalidade, sem corar o rosto!
    A nossa subserviência à monarquia britânica e a outras não monarquias, onde imperar o dinheiro, estamos sempre de chapéu na mão.
    Um abraço, Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado António. Temos de deixar de ser servis. Erguer a cerviz. É tempo. Grande Abraço

  6. Eulália Pereira Coutinho

    Crónica excelente. Tudo dito e bem dito.
    Trouxe-me à memória o Algarve do tempo em que as ementas eram escritas em Português. As viagens intermináveis, com muitas paragens.
    Inteiramente de acordo com a histórica aliança de Inglaterra. Uma falácia. Ao fim de tantos anos, não se aprende nada. Não consigo compreender tanto servilismo.
    É mesmo isso, baixamo-nos muito. Não posso concordar com a Isaurinda. As coisas têm que ser ditas e bem ditas.
    Obrigada amigo, por dar voz a quem o lê e não tem o dom das palavras escritas.
    Grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Vamos de deixar de ser servis. Vamos usar os nossos direitos. Vamos saber exigir os nossos direitos. Grande abraço

  7. Cristina Ferreira

    Um total descontrolo.
    Turismo “low cost” sai caro.
    Historicamente sempre baixamos as calças aos ingleses e continua a tradição.
    Gostei muito.
    Abraço

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Toda esta situação era previsível. Não por este motivo mas por outro qualquer. Esta é uma aposta suicida abraço grande

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