As férias grandes
por Jorge C Ferreira
Teria cerca de 12 anos quando comecei a ir passar as férias de Verão para a Parede na linha de Cascais. Motivos familiares proporcionaram tal. Vivia mesmo no centro da terra. Atravessava a linha do comboio, descia a rua e estava na praia.
Havia o banheiro e as barracas e os toldos alugados à época. A praia da Parede era uma praia familiar. As barracas eram guardadas de ano para ano. As senhoras faziam rendas para toalhas intermináveis. As meninas jogavam ao prego. O banheiro tinha uma hora marcada para mergulhar os mais miúdos no mar. As crianças gritavam. Era a sua hora do sacrifício. Parecia um novo baptismo. As mães, tias e avós iam recebê-los com uma toalha e embrulhá-los para os aquecer.
Facilmente arranjei um grupo. Encontrávamo-nos na praia ou a caminho dela e havia rapazes e raparigas. Aconteciam os namoros de Verão. As férias eram enormes. Três meses deliciosos. O sal de todas as descobertas. Nessa altura na praia da Parede abundavam as algas, mexilhões e as rochas apareciam verdes na maré-vazia. Apesar da temperatura da água era dentro dela que passávamos bastante tempo. Muitas vezes saímos do banho com os dedos engelhados.
Ir a pé até à Praia das Avencas era um programa que fazia parte das nossas actividades. Aí havia uma espécie de piscina que era muito utilizada. Dali até ao chamado caldeirão era uma nova etapa. Aí sim, um sítio para mergulhos perfeitos. Depois era regressar ao local de partida e a manhã estava feita. Tínhamos horas para ir almoçar a casa. Depois de almoço não se ia logo para a praia. Havia o tempo para a digestão. Era obrigatório e coisa levada muito a sério. Nem sempre íamos à praia de tarde. Muitas vezes juntávamo-nos e passeávamos. Chegávamos a ir até Carcavelos pelo imenso pinhal que existia. Apesar das nossas Mães avisarem sempre para não irmos por esse caminho. Era escusado. O fruto proibido é sempre o mais apetecido.
Ao fim de semana, por norma, não íamos muito à praia. Aos Domingos as matinés no Royal Cine eram quase obrigatórias. O balcão era poiso de alguns namorados. A última fila a mais procurada. Muitos beijos quase se ouviam na plateia. O arrumador com a sua lanterna, um teimoso foco de luz, tentava colocar alguma ordem na situação. Havia também o Parque Oceano, um cinema ao ar livre. O filme e as estrelas. Noites de sonhar.
Quando os anos começaram a passar os programas também começaram a mudar. Saíamos à noite. Íamos até à esplanada do Limo Verde, um café a cheirar a novo e cheio de gente nova no verão. Na cave um salão de jogos. Mais tarde apareceu uma pista de automóveis telecomandados que fazia a paixão de muita gente. Muitas vezes íamos até à praia. A praia à noite tem outro sabor. Um tempo de muitas aventuras.
Em 1964, tinha 15 anos, foi decidido que ia trabalhar. Tinha um exame para fazer em Outubro. Os chamados exames de segunda época. Ainda me lembro da disciplina, Mercadorias, a que me faltava para acabar o chamado Curso Geral do Comércio. Foi-me dito para cortar o cabelo antes de ter uma entrevista com o Administrador do Banco. Nessa entrevista o dito senhor disse-me para fazer o exame que faltava e depois me colocaria, ou no Banco ou na Companhia de Seguros ligada ao mesmo.
Fiz o exame, passei, e no dia 8 de Outubro de 1964 comecei a trabalhar no Banco. Entrei por aquela porta da Rua dos Sapateiros e tudo mudou. As tais férias grandes esfumavam-se. Aquele tempo imenso de praia tinha acabado. Outra vida começara.
«Na Parede, só te conheci já com a Isabel, naquele pequeno apartamento. Destas coisas nunca tive conhecimento.»
Fala de Isaurinda.
«Era tão novo. Também tenho saudades do tempo em que te conheci.»
Respondo.
«Sempre foste um belo malandro. Também tenho saudades desse tempo.»
De novo Isaurinda e vai, um sorriso na palma da mão.
Jorge C Ferreira Março/2022(340)
Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira
Como é bom acompanhá-lo neste regresso ao passado. Férias grandes. Praia. Juventude.
Tive também a sorte de viver perto da praia.Paredes da Vitória. Uma praia pequena onde todos se conheciam. Barracas para proteger do vento. O banheiro também mergulhava as crianças na água gelada. Tortura.
Joguei ao prego. Mergulhei nas pequenas lagoas que a maré cheia deixava.
Grupo maravilhoso de jovens. Aventuras inesqueciveis. Grande rede de voleibol. Uns jogavam, outros assistiam, aplaudiam, no meio de muito barulho. O encontro do grupo na praia, sentados na areia, enquanto alguém tocava viola..
Que bom ter tão boas memórias. Na época não tinha noção de quão privilegiada era.
Depois veio o primeiro emprego. Lisboa. Um mundo. Rua da Madalena. As férias grandes deram lugar a uma semana de férias, no primeiro ano e duas a partir do segundo. Só depois do 25 de Abril, se conquistou o direito a férias.
Grata, meu amigo, por tão bela viagem no tempo.
Ficarei à espera de ver em livro as histórias de vida, que partilha semanalmente.
Grande abraço.
Obrigado Eulália. Vidas tão parecidas. Da praia até ao primeiro emprego na baixa de Lisboa. As férias grandes que nunca esqueceremos. Grande abraço.
Sempre vivi aqui, em S. Pedro ou em redor.
A praia de S. Pedro também era uma praia de estilo familiar; todos nos conhecíamos. Para mim, era quase uma extensão de casa.
Uma vez em cada Verão, a minha mãe preparava um piquenique e levávamos a comida dentro da mala térmica para a praia, onde a consumíamos em pratos de plástico resistente, cada um de sua cor.
A praia das Avencas é hoje visita frequente dos alunos do segundo ciclo do concelho, devido à classificação como “Zona de Interesse Biofísico das Avencas”.
Também tenho as minhas excursões mentais pelo que deixou de ser…
Beijinhos, amigo.
Obrigado Sofia. Sempre estivemos por perto. Isto é como um bairro. Por aqui aprendemos o sabor do sal e os amores de verão. Beijinho ĺ
A minha praia e adolescência também foram mais ou menos assim, um pouco mais a norte, um pouco mais frio. Vivia a cerca de 20 Kms da praia (Vieira de Leiria) e por contingências familiares a época era de junho a setembro de idas e vindas diárias. O mar era gelado e ‘bravo’ e muitas das manhãs eram passadas na dita barraca, alugada com antecedência ao mês, por força do frio e intenso nevoeiro. À tarde levantava o nevoeiro, o sol aparecia mas o vento fininho e irritante era também desagradável. Naqueles três meses, havia apenas quatro ou cinco dias de bandeira verde. Para mim era uma festa. Não gosto, nunca gostei de mergulhos mas adoro nadar (aprendi sozinha com algumas indicações de um meu muito amado tio) e aí desforrava-me mar adentro onde me sentia livre e poderosa… e mais poderia dizer mas fico por aqui
Beijinho e obrigada
Obrigado Em. O Atlântico é outro e é nosso mar. Quase todos aprendemos a nadar com alguns ensinamentos. As barracas e os toldos eram parte das nossas praias. Que tempo vivemos. Cada qual à sua maneira. Beijinho
“ As férias grandes.”
Que sempre ficarão na nossa memória. Três meses de brincadeira e descobertas. A praia, o jogo com o prego e as construções com a areia, tudo maravilhoso. O meu problema era a água muito fria. O Algarve ainda não estava na “moda.”
Mesmo assim foi bom, um tempo saudável e feliz.
Histórias verdadeiras, sempre tão bem contadas.
Tudo tem um fim e as longas férias acabaram. Para dar lugar ao mundo do trabalho. Um bom lugar esperava por si. Um novo caminho. E a partida para novas aventuras. E foram tantas. Muitas que já partilhou connosco.
Abençoada seja, a sua paixão pela escrita, querido poeta.Só assim têm sido possíveis, estas viagens no tempo de tão belas recordações .
Grata sempre, meu amigo. Abraço imenso.
Obrigado Maria Luiza. Aqueles três meses de liberdade inteira. Aquela festa diária. As aventuras que todos vivemos. Até que o trabalho chegou. Foi a vida que nos calhou viver. Tão bom estar aqui. Abraço grande
O que me fizeste recordar, nos meus tempos entre os meus nove e dezanove anos.
Os meus pais alugavam uma vivenda em Ribamar, a quatro quilómetros da Ericeira, e a praia de S. Lourenço foi o palco de momentos ímpares da minha juventude.
Por aí, já vingava a liberdade, e os momentos do nosso imaginário eram sempre fugas a olhares que “prejudicavam” o nosso crescer e criar.
Como gostei de ler-te!
Grande abraço!
Obrigado José Luís. Que tempos meu querido Amigo. Tempos de viver outros tempos. Belo lugar o teu. Grande abraço
A praia da Parede também foi uma das minhas praias de infância e adolescência. Porém, era praticamente sempre só aos fins de semana que fazia-mos praia. Não havia possibilidades para muito mais. Mas eram dias de muita emoção, começando logo porque tínhamos de nos levantar praticamente de madrugada. Apanhava-mos uma série de transportes públicos até chegarmos lá chegarmos. Era muito apreciada pela minha mãe devido ao problema de coluna e varizes que tinha. Muito Sol nas costas e muitas algas nas pernas. Lembro-me de brincar com os limos. Um dia fui picada por um peixe aranha. Eram dores horríveis, valeu a rapidez e profissionalismo do banheiro. Nessa altura, já estavas tu a trabalhar no banco. A ultima vez que lá estive, o Duarte andou nas rochas a apanhar conquilhas.
Memórias boas, querido Jorge. Beijinho
Obrigado Cristina. Quem te deu autorização para vires para a minha praia? Que bom teres gostado. Teres levado lá o Duarte é uma continuação de vida. Beijinho
Eram mesmo as férias grandes! Três longos meses de verão…
Ir à praia, ter um grupo, começar a olhar para os rapazes de outra maneira. Tu ias para a Parede, eu ia com a família para a Ericeira. Isto em Agosto. Acompanhados pela avó paterna. As três primas. Era de uma alegria contagiante!
Em Setembro lá íamos de “armas e bagagens” para o Algarve. Olhão. Ilha de Armona. Não havia eu de gostar do mar…. Banhos de sol, horas e horas para ficarmos com “bronze”, reencontrar mais primas, pertencer a um grupo, aprender amizade e
o gosto de estar com a família! Ter tempo para tudo. Não ter que ir para o liceu. Não ter que estudar. Sentir que éramos livres!
Depois da tua crónica, veio alojar-se em mim uma certa nostalgia. Era o tempo dos segredinhos das miúdas. Das conversas que tirávamos do coração e apenas partilhávamos com algumas amigas. De combinar as saídas. Às horas tantas. De irmos até ao Parque de Sta. Marta. Para dançar. Agarradinhas….
E depois, os risos, as confidências, as lágrimas, os primeiros desgostos de amores passageiros. Amores de férias. De Verão.
Como é enternecedor dar lugar à saudade. Eu sentia-me uma espécie de andorinha. Voltava todos os anos aos mesmos lugares para ir buscar a felicidade. Para voltar ao ninho que estava à nossa espera. Os folguedos, os nervos à flor da pele, as emoções que nos inebriavam e as puras ousadias. Um primeiro beijo? O beijo que sabia a pastilha elástica. Que era ao de leve. Num assomar de lábios até aí desconhecidos…
Meninas.Jovens corações desejosos de conhecer o “mundo”…. E o mundo era tão pouco, tão pequeno e a nossa alegria tão desmedida.
O nosso poeta é disto capaz. Faz rodar a sua máquina do tempo.
Nós entramos. Ansiosas. Intranquilas. Mas com sorrisos. Largos gestos. Desinibidos…
É tão bom voltar a ter quinze anos. Sonhar. Pensar que a vida não pára. Querer ter dezoito. Depressa. É tão bom Viver!!!
Por estes momentos breves, te estou grata.
Por tornares possível a viagem no comboio das recordações, me emociono e sentindo o que há muito se perdera no Tempo.
Por nos dares a mão e não permitires que nos esqueçamos, sei que tenho em ti um Amigo. O amigo das partilhas, dos sigilos e dos sorrisos que vieram para ficar! Obrigada. Do 💗.
Obrigado Mena. Os teus comentários são uma maravilha. Ter-te por aqui é uma festa como era a festa das férias grandes. Tanto que vivemos. Gratidão. Beijinhos
E assim te fizeste nesse jeito teimoso tipo o foco de luz 😚
Beijinhos
Obrigado Isabel. Assim nos fomos construindo. Beijinhos
Que belos tempos esses que as férias proporcionavam, também usufrui desses tempos que se repartiam pela Manta- Rota ( Algarve) ou por Boliqueime onde caminhava km para ver o hipismo em Vila Moura, ou os bailaricos onde eu menina da cidade gozava achando tudo muito hilariante já que em casa tinha de me comportar rigidamente. Enfim, tempos idos onde de algum modo todos tivemos as nossas férias “grandes” com o prazer dos dias de verão. Obrigada, por mais esta crónica que de algum modo tivemos e lembramos. Abraço meu amigo!
Férias de três meses. Três anos de liberdade, a alegria de quem ainda era um menino. Quase senti o cheiro do pinhal que se desvaneceu como o tamanho do cabelo. Abraço Jorge.
Obrigado Regina. Três meses de muita liberdade. De muita aventura. Aprender a vida até que a vida nos prendesse. Grato. Abraço grande
Obrigado Cecília. Que bom. Tiveste água mais quentinha e, por certo, outras descobertas. A nossa vida toda. As nossas aventuras. Abraço grande.
As férias grandes como lhe chamávamos . Já ninguém utiliza essa expressão porque na realidade deixou de fazer sentido., uma vez que elas encurtaram imenso.
Mas era o tempo da praia ou do campo, dos grandes passeios à beira- mar e do banhos que duravam uma eternidade se a companhia fosse boa . Mas era também o tempo das paixões que o sol abrasador despertava e a água fresquinha retemperava . Os amores que ficam enterrados na areia mal a época acabava .
No ano seguinte haveria mais …
Gostei de relembrar também tudo isto!
Obrigado Lénea. Férias de uma vida. Uma vida diferente. Uma vida que marcou um tempo. Um tempo que nos marcou. Abraço enorme
Obrigada por nos contar estas lembranças maravilhosas.
A Parede é uma praia de que também gosto, embora a conhecesse bem mais tarde.
Abraço grande
Obrigado Lénea. Férias de uma vida. Uma vida diferente. Uma vida que marcou um tempo. Um tempo que nos marcou. Abraço enorme
Obrigado Maria Rosa. Somos vizinhos. Somos da beira-mar. Somos da marginal. Somos o sal e a areia. Beijinho
Querido Amigo/ Irmão, gostei da tua descrição. As minhas lembranças de férias enquanto jovem foram variadas, muitas vezes de acordo com as ” finanças ” familiares. Ou se alugava casa na Figueira da Foz, ou íamos para casa de familiares que viviam noutras ” terras ” e/ou amigos e seus pais para casa de familiares deles. Também passei muitas cá em Coimbra, mas tínhamos grupos grandes e, de casa em casa, era uma variada aventura. Creio lembrá-las todas. Belos tempos. Beijinhos para a Isaurinda, Isabel e para ti com carinho.
Obrigado Ivone, minha querida Amiga/Irmã. As nossas lembranças. A nossa maneira de viver. O nosso sentir. Tão bom ler-te. Beijinho