Crónica de Jorge C Ferreira | A extrema-direita

A extrema-direita
por Jorge C Ferreira

 

“Sou velha e a extrema-direita não gosta de velhos, sou artista e eles não querem cultura, e não sou branca, sou latino-americana”.

Tudo isto foi dito por Betty Faria e vinha no Jornal Público (Revista ípsilon) de 11 de Junho de 2021, com uma entrevista à senhora que foi a nossa Tieta, nos fez sonhar, que foi e continua a ser nossa diva, e que agora faz oitenta gloriosos anos.

Tudo isto e uma fotografia belíssima a preto e branco, onde está patente a idade que carrega. As rugas todas, as manchas nos braços e nas mãos. As mãos fechadas juntas ao queixo marcado. Estão lá todos os anos e todos os caminhos. No entanto ainda se vislumbra a beleza que nunca vai perder.

Falemos então dessa estranha gente que se diz de extrema-direita. Dessa gente que não gosta de velhos. Da sua ambição sem limites pelo poder. Do poder todo. Do poder só para eles.

Por trás destes movimentos existem pessoas cultas. Mentores perigosos. Pessoas que, por vezes, fazem discursos dirigidos a determinadas camadas. Outras vezes nem aparecem. Trabalham na sombra. Os discursos parecem, por vezes, ridículos e sem nexo. No entanto o verdadeiro perigo é atingirem os seus objectivos. Cativarem as camadas da população a que se dirigem. É necessário estudar bem todos estes movimentos. A sua organização tende, quase sempre, para a formação de seita. A ligação a certas igrejas e outros movimentos leva-nos a tirar essas conclusões. Muitas vezes devem ter as caras que aparecem e as que estão na sombra. Quem fomenta? Quem subsidia toda esta movimentação?

Tudo isto começou há muito nesta nossa velhinha Europa. Muita gente foi lançada como balão de ensaio de um tipo de discurso a ver se pegava. Os Salvinis, os LePen, os Abascais, os Bolsonaros, não nascem de geração espontânea. São personagens de algo maior. Os chefes deles pretendem mesmo acabar com todas as nossas liberdades e os avanços que conquistámos. Querem uma nova geração de escravos. Uma geração em que já controlam cada movimento e cada opinião. Tudo hoje é filtrado e guardado numa nuvem algures e gerido conforme as necessidades.

E nós, os velhos? Muitos já morreram com esta pandemia. Os que vamos resistindo somos para exterminar. Somos uma carga para esta gente. Eles não querem saber do que fizemos pelo País. Eles querem mesmo acabar com muito do que fizemos. Acham que está tudo errado. Acham que estamos a mais.

A cultura, acham eles, é algo completamente desnecessário. Um luxo sem sentido. Acontecimentos criados por intelectuais desnecessários. Vocês já leram sobre a queima de livros? Não foi há muitos anos.

Os que são diferentes e ousam dizê-lo, estarão lá as várias seitas para os “curar” como se tivessem alguma doença. Gente que não aceita a diferença. Que define as pessoas pela cor da pele. Gente que, de achar tanta coisa perigosa, chega a ter medo da sua sombra.

Só nos resta enfrentar esta máfia. Enfrentá-los sem medo e não lhes dar muita montra. Como diria o querido e saudoso Zeca:

“O que faz falta é avisar a malta, é o que faz falta…”

Vamos lutar até ao fim.

“Olha que tu a meter-te com essas pessoas, estás a arriscar. Isso é gente em quem não se pode confiar”.

Fala de Isaurinda,

“Temos de correr riscos. Eles dão cabo de nós na mesma, não sabes isso?”

Respondo

“Eu sei. Mas ouve o que te digo. Há um tempo para tudo.”

De novo Isaurinda e vai, o punho cerrado.

Jorge C Ferreira Junho/2021(307)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira


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20 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | A extrema-direita”

  1. Cecília Vicente

    Vivemos num mundo “Pandémico”, os alarmistas, os donos do mundo, o mundo às avessas, sobra-nos muito pouco, ou somos e estamos em extinção de valores e respeito pelo próximo. Tenho dias em que penso o que virá a seguir, alarma-me ver que grandes senhores, os sombras, cercam os desfavorecidos ofertando-lhes ouro, incenso e mirra para no final ficarem escravos. Mundo cruel este, vendo bem, sempre o foi em datas determinantes. A cultura é um alvo a abater a não ser a propaganda politica que lhes favoreça e os faça alastrar com promessas … Não quero este mundo, não quero um futuro pequeno que seja com medos e sobressaltos, não quero aventura nem desventuras, apenas desejo liberdade, fraternidade, e igualdade independente de géneros e cores, apenas quero ser e existir num mundo que quero igual para todos. Obrigada meu muito amigo. Aquele abraço!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Não aceitar a canção dos canalhas. Saber dizer não. Vamos ser futuro. Vamos contrariar os caminhos que nos querem fazer percorrer. Viva a Liberdade. Abraço enorme

  2. Susana Canais

    Que bom texto de alerta Jorge.
    É preciso estar alerta, unir braços, consciencializar, informar e não permitir que avancem, deitando por terra todos os valores conquistados com tanto sacrifício por aqueles que lutaram por um mundo melhor.
    Um grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Susana. Foi o que tebtei fazer. Se consegui fico contente. Vamos lutar. Abraço grande

  3. Filomena Maria de Assis Esperança Costa Geraldes

    Meu Amigo.
    Não te posso apelidar de visionário ou utópico.
    Insensatez. Hipocrisia. Cinismo. Ambição desmedida. Falta de compaixão, humanidade e solidariedade. Apelidemos as realidades que nos cercam sem receios. Sem meias palavras. Sem ilusões.
    Que mais dizer sobre a tua crónica?
    Excepcional?
    Brilhante?
    Notável?
    Não, não iria tão longe.
    Apenas o que te carateriza como homem e senhor de um imenso talento. Genuíno!

    Este abraço. O aplauso!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Mena. Tão boa a análise. Um texto belo. Tento ser sempre eu. Gosto tanto de te ver aqui. Abraço imenso

  4. Eulália Pereira Coutinho

    Excelente. Li a entrevista dessa grande senhora Betty Faria, Tieta para sempre.Marcada pelas rugas profundas, não deixa de chamar a atenção para o perigo da extrema direita. Fala do que tantos pensam e não dizem. É, de facto , uma situação, que nos últimos anos se vai estendendo por vários países.. O poder pelo poder.
    Temos que estar atentos. ” O que faz falta é avisar a malta”, sempre actual o alerta do Zeca.
    Obrigada, meu amigo, por estar sempre atento aos valores da Liberdade.
    Vamos resistir.
    Grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Tieta nosso amor. Tieta nossa conselheira. Voz nossa. A estrema-direita a querer roer-nos o corpo. Vamos lutar. Vamos resistir Abraço.

  5. Maria Luiza Caetano Caetano

    Obrigada, meu amigo
    Sempre atento e a enfrentar o que o afronta e a prevenir os que julgam lindas e sinceras as palavrinhas doces, de uma já grande maioria. A pandemia, já dizimou tantos, mas felizmente ainda cá andam muitos velhos, grau onde me incluo. Somos gente. Ainda sei o que digo e o que faço.
    Quero continuar a dizer Não á escravatura e tanta desigualdade.
    Estou tão preocupada, quanto a Isaurinda. Mas consciente que andam por aí lobos, disfarçados de cordeiros. Grata por estar connosco e ser conhecedor do Mundo que nos rodeia.
    Abraço enorme, meu amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria Luiza. Obrigado por estar aqui a erguer a sua voz sábia. Nós conhecemos já os truques e as trapaças. Vamos lutar todos. Abraço grande

  6. Isabel Barros Luis

    Velhos, quem? Nós?
    Não, não creio. Sei, eu tenho 75 anos, mas sinto-me mais lúcida e reactiva que muita gente que não teve ainda a felicidade de atingir a minha idade. Essa direita fascista de que falas é uma moda, não permanecerá. Fará mossas aqui e ali, mas no “todo” não vai passar! Os que querem fazer dos outros escravos que esperem pela pancada. Talvez o feitiço se vire contra o feiticeiro, a curto prazo. O povo quando quer tem mesmo muita força. Já viste isso uma vez e soubeste de tantas outras, ao longo da história . Vai acontecer de novo. Os czares também não acreditavam… Beijinhos para o meu escrevinhador favorito.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Eu sei que tu és uma força imensa. Um luz. Cantei contigo a Grândola. Vi como a cantavas. Estamos num período difícil. Vamos resistir e vencer. Tão bim ver-te aqui. Abraço gigante

  7. Regina Conde

    A introdução ao texto é muito forte em coragem e história vivida. Essa seita, viaja sem se ver. São organizados e mortíferos, não tenhamos dúvidas. São sustentados e os alvos identificados. Não basta dizer, é preciso agir denunciando como o fazes tão bem, como sempre o fizeste. Neste mundo há lugar para velhos, novos, cultura, dignidade. Abraço meu Amigo que vimos de longe para aqui chegarmos.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Regina. Temos de desmascarar esta gente. De os pôr em cuecas quando estão a perorar as suas arengas. Vamos conseguir. Abraço enorme.

  8. ivone Teles

    Meu amigo, li no Jornal em papel. Até guardei e até está emprestado. De facto, está um pouco envelhecida para a idade, como acontece com quem prefere lutar a deixar-se pisar por fascistas. Mas continua a nossa ” Tieta do Agreste ” e isso é que é mais de realçar. Tenho um amigo brasileiro do PCB que me vai pondo na situação difícil que estão a passar. A ” estrema direita ” tem dois grupos, creio eu. Os que se julgam ” donos do mundo”, e de todos os que desejam para escravos. Depois há os que, devendo lutar contra essa mentalidade, pretendem ter os valores ( falta de valores ) deles. Detesto uns e outros. Mas eu luto pela minha Utopia, por uma Sociedade de Igualdade, Solidariedade, em que TODOS, em PAZ, terão os valores , direitos e deveres. Só assim o ” MUNDO PULA E AVANÇA…….”. Velhos, mas ainda sabemos ser GENTE. Beijinhos para ti, Isabel e Isaurinda, os meus lindos amigos.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone minha Amiga/Irmã. Eu sabia que não faltavas a este repto. A nossa Tieta continua rebelde. E nós temos um trato: descer aquela Avenida de braço dado. Vamos continuar a lutar pelo nosso Mundo. Abraço gigante.

  9. José Luís Outono

    Mais uma análise elucidadora deste caminhar sem nexo, que temos de trilhar até aos limites da nossa imaginação, num mar enredado de teorias e complexidades estranhas e nada vitaminadas de verdade coerente.
    Até quando? Não sei, não sabemos e … seguramente nunca saberemos, porque os ponteiros do relógio não param para reflectir, e os tempos vão-se perdendo continuadamente em escalas educacionais de conveniência.
    Brilhante estimado amigo!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado José Luís. Poeta que interrssante abordagem. Vamos ultrapassar isto. Vamos sorrir de novo. Grande Abraço.

  10. Cristina Ferreira

    Betty Faria, para além da beleza, excelente comunicadora e com uma inconfundível, para além da nossa querida Tieta, fez igualmente outros grandes personagens.
    É com os seus 80 anos de lucidez que tal como Zeca , tu vais nos chamando, uma vez mais , a atenção .
    Comemorar os valores de Abril, não é nostalgia, é enfrentar a extrema direita. Consciência democrática precisa-se. Não pudemos recuar.
    Obrigada pela tua voz. Obrigada por estares aqui.
    Abraço

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Tieta sempre Tieta. Obrigado pela tua presença constante. Sim vamos lutar e defender a Liberdade. Vamos correr com esta gente conspurcada. Abraço imenso

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