Crónica de Alice Vieira | O sacristão de S. Paulo

O sacristão de S. Paulo
Por Alice Vieira

 

Hoje vou contar uma história, que é para animar o pessoal que já anda a bater um bocado com a cabeça nas paredes neste confinamento –necessário, é certo—mas prolongado.

E uma história verdadeira. Pelo menos o amigo inglês que ma contou jurou a pés juntos que se tinha passado mesmo assim.

A história de um homem que era sacristão na igreja de São Paulo, em Londres.

Um dia, por motivos burocráticos, foi-lhe pedido que assinasse um documento e, para espanto de todos, o sacristão assinou de cruz.

O sacristão não sabia ler nem escrever.

Um sacristão da Igreja de São Paulo analfabeto era coisa inadmissível—e foi imediatamente despedido.

Abatido, sem saber que fazer à vida–já não tinha idade para ir estudar,e o dinheiro não abundava lá em casa–andou ali pelas imediações quando lhe apeteceu, desesperadamente, um cigarro. (Atenção,pessoal, isto passa-se ainda na era do pré- fundamentalismo anti-tabágico…).

Olhou em volta, mas não viu por ali nenhum lugar onde pudesse comprá-lo.

Andou mais um pouco—e nada.

“Se calhar era boa ideia abrir aqui uma pequena tabacaria”, pensou.

E, com algum dinheiro que ainda tinha e outro que pediu emprestado, foi o que fez.

A tabacaria foi um sucesso.

De tal maneira que, logo a seguir, abriu outra.

E depois mais outra.

E mais outra, e mais outra—e, algum tempo depois, tinha-se transformado no dono de uma rede de lojas espalhadas pelo país inteiro.

Um dia o director do banco chamou-o. Queria conhecer pessoalmente aquele cliente tão importante e, ao mesmo tempo, propor-lhe que diversificasse o investimento, que não tivesse dinheiro parado, etc.

A coisa ia no bom caminho quando, ao ver o seu cliente assinar de cruz, o director abriu a boca de espanto e nem queria acreditar no que os seus olhos viam : aquele seu cliente tão importante era analfabeto.

“O senhor não sabe ler nem escrever? Espantoso! O senhor é hoje aquilo que é, com toda esta fortuna, sem saber ler nem escrever! Já pensou no que seria, se tivesse estudado?”

“Já”, respondeu o homem, “seria sacristão da igreja de São Paulo”

Pensem nisto, e vão até à janela apanhar ar.


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Actualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


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