Crónica de Alexandre Honrado – Sentir, sentir; sentir sempre

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Crónica de Alexandre Honrado – Sentir, sentir; sentir sempre

 

Só muito recentemente na história do mundo, digo que talvez há perto de 200 anos, o que é uma ninharia tendo em conta da idade do planeta Terra, uma percentagem muito pequena do ser humano aceitou designar o universo dos sentidos por oposição à razão, o que por outras palavras é o mesmo que dizer: passou a aceitar que a estética ocupava lugar nas nossas vidas e tinha uma dinâmica própria e necessária.

Os pensadores, de modo geral, vindos da teologia ou de áreas do raciocínio menos espartilhadas, rejeitavam a emoção.  Em regulamentos ditos da moral eram até capazes de censurá-la, proibi-la, condená-la. A fórmula era tão radical por vezes que os corpos eram (são) vistos como objetos e os seus comportamentos mais espontâneos como pecados censuráveis.

Para dar apenas um exemplo que a todos diz respeito, a ideia, a vários títulos cabotina, de que o sexo era, somente, para a procriação, propagandeava-se e partilhava-se como se fosse um bem ou uma qualidade.

A argumentação racional, essa, parecia ser a elevação soberana do pensamento que punha de lado sensações e emoções.
Este radicalismo foi derrubado em boa medida pela afirmação do individualismo: somos mais do que qualquer razão, mesmo universal, não nos submetemos como sistemas operativos de máquinas e estruturas, somos também o que sentimos e porque sentimos.

Pensar, agir, mas sobretudo sentir, assumir a emoção, está para lá de qualquer encadeamento lógico.

Porque sentimos fazemos arte. Porque sentimos, mamos. Porque sentimos somos solidários. Porque sentimos agimos de forma altruísta, sem pensar antes nas consequências da nossa boa ação.

Ao sentir, estamos para lá da religião e da justiça. Transformamos os nossos corpos em tema, enchemos os ares de sons que cantamos, assobiamos, dançamos, passamos a composição que trauteámos para partilhá-la com os outros, fazemo-lo através de instrumentos que norteiam o sentir muito para lá do que é racional.

Somamos intuição ao sentimento, à emoção, e temos, muito provavelmente o melhor de nós.

Nesse lado humano – não racional – constrói-se a solidariedade, a estética, a criatividade – seja num som que decora o espaço, num molho de folhas onde fixamos uma história, numa pedra afeiçoada que se transforma em estátua, numa tela coberta de tinta que emolduramos porque rever o quadro é senti-lo…

Qualquer atividade institucional que tente travar-nos, mesmo com bons argumentos, é uma oposição estética e à nossa natureza mais autêntica. E se o que é estético é apenas uma questão de preferências, sendo que um por-de-sol pode ser maravilhoso para uns e mero hábito de fim de tarde para outros, desde que a neblina não impeça a visão, é também um sintoma da nossa mais perfeita liberdade: gosto do que gosto e de quem gosto.

Não façam disso lei porque, se o fizerem, não a cumpro.

 

Alexandre Honrado

 


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