Crónica de Alexandre Honrado – O riso de todos

A LIBERDADE – está a passar por aqui: Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
O riso de todos

 

Estamos no momento da crise. Há demasiado tempo. Da crise dos valores, da economia, da autoestima, da memória, do futuro. Estamos de uma fragilidade insana.

Os intelectuais estão em estado crítico, também, pela não geração de ideias universais – o que prova como não estão preparados para dar conselhos à Humanidade. A Humanidade também, por estar num daqueles períodos da História do Mundo em que a cultura lhe parece uma ameaça – queimem os livros, pois não sabemos ler!

Quando as pessoas não têm dinheiro, a primeira coisa de que desistem é dos livros – dizia John Steinbeck. Ao que Erasmo, muitos anos antes, respondeu «Se tiver pouco dinheiro, compro livros. Se sobrar algum, compro comida». É uma questão cultural – e de geografias essenciais.

Os tempos que se avizinham terão espaço para os livros? Não sei. Sei que há países do Mundo onde não há livros. Outros onde só nos últimos anos a liberdade de expressão permite libertá-los. Outros onde nascem as novas gerações do novo Mundo. A Lusofonia tem muitas cicatrizes. Se olharmos para cada um dos Países que a compõem, veremos que os encontros culturais que proporcionam são o erguer de uma nova história, com menos dúvidas, com menos inibições, com menos distâncias. Com a possibilidade do riso partilhado. Com as bocas que antes contaram segredos aos ouvidos, a gritarem agora de alegria que é possível uma nova expressão dos sentimentos. Os homens são itinerâncias culturais. Podem gerar espaços de imaginário, criar alternativas pelo que pensam. Mudar o mundo numa ideia. Sócrates, o grego e Cristo, o judeu, nunca escreveram nada. Mudaram a Humanidade. Tolstoi queria ser o transformador moral da sociedade. E a sociedade não é mais nem menos imoral depois do que ele escreveu. Os enciclopedistas acreditavam poder saber tudo sobre o mundo – hoje é o motor de busca da Internet que faz mais de metade do trabalho. Os intelectuais seculares, com uma longa história de apropriação das ideias do Mundo, tinham Deus para tirar-lhes as dúvidas; os laicos, com uma história mais modesta e mais recente, deram consigo entregues ao seu próprio destino e a acreditar que não só tinham capacidade de diagnóstico como de cura para o Mundo. E de alguma forma, fizeram em alguns casos, da palavra o seu deus.

A verdade é que o pequeno e pouco vasto povo da cultura não tem soluções, nos dias de hoje. Mas acredito que tenha a capacidade do preenchimento das brechas que a esmagadora maioria, o povo da não cultura, pede que preenchamos, embora faça involuntária e inconscientemente esse pedido.

Uma em cada quatro crianças vive na miséria, inserida numa família com rendimento inferior a dois dólares por dia. Uma em cada doze crianças morre antes de completar cinco anos, na maioria dos casos por causas evitáveis.

Atualmente há cerca de 300 milhões de crianças que não vão à escola.

Anualmente, mais de 6 milhões de crianças morrem devido à malnutrição.

Se as condições sociais se mantiverem inalteradas, o futuro da criança global incluirá, entre outras, as seguintes tragédias:
26 crianças em cada cem não serão imunizadas contra qualquer doença;
30 sofrerão de má nutrição durante os primeiros cinco anos de vida;
40 viverão em ambientes sem saneamento adequado;
17 nunca frequentarão a escola,

E uma em cada cinco crianças entre os cinco e os catorze anos de idade vai estar a trabalhar.

A exploração do trabalho infantil é uma violação grave contra o normal desenvolvimento da criança. Entende-se por trabalho infantil o que é feito por menores de 16 anos e que prejudica o desenvolvimento do bem-estar físico, mental e moral. 246 milhões de crianças e adolescentes no Mundo (uma em cada 6 crianças ) entre os 5 e os 15 anos são trabalhadores.

Mais de 150 milhões vivem na Ásia, 53 milhões na África Subsariana, 17 milhões na América Latina, 13 milhões no Médio Oriente e norte de África e 3 milhões na Europa e América do Norte. Se num encontro de palavras referi tantos números, é porque estes números são palavras que gritam.

Muitos destes milhões falam a minha, a nossa língua. E a nossa língua é a das palavras em que nos damos.
Quando cultura for multicultura, podemos começar a descansar, e então o meu riso será o riso de todos.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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