Crónica de Alexandre Honrado – Matar a fome… de restaurante

 

Crónica de Alexandre Honrado
Matar a fome… de restaurante

 

Somos feitos de conflitos, uns saudáveis, outros não. Conflitos internos que nos ajudam a crescer, a superar os obstáculos, a melhorar os nossos objetivos, a apaziguar, isso sim, os nossos conflitos. Quando não conseguimos gerir os conflitos que nos agitam, tornamo-nos indignos. Agredimos o nosso semelhante, transformamos conflitos naturais em combates bestiais, somos o lado medíocre, esse lado medíocre que também nos compõe e percorre e é então que mostramos as nossas fraquezas, esbofeteamos o nosso próximo, socamos adversários, baleamos adversários, esfaqueamos adversários, somos adversos a qualquer dignidade que nos eleve e perdemos o lado humano mais intenso que fez de nós um dos animais mais fascinantes da evolução.

A vergonha é que somos extremistas. Quando não temos soluções sacamos das armas. Os mais fracos de espírito procuram subjugar os mais fracos de físico. Assim nascem as ditaduras, a violência doméstica, a pancadaria no futebol, o assédio moral e sexual, a xenofobia, o racismo, a homofobia, as guerras religiosas, políticas, institucionais, a página negra do segregacionismo na história do mundo.

A paz é uma consagração e um direito, a guerra uma violação e um recurso de momentos pobres.

Os povos erguem-se quando se sentem desesperados. Assim nascem as revoluções ou apenas os motins. Mas esse erguer, essa elevação, significa que o que fica para trás é o encaixe de erros e injustiças. Nada disto me surpreende e a história tem todos os exemplos que ajudam a meditar, até a meditar sobre o que queremos – e não queremos – para nós, individual e coletivamente.

Assusta-me que as adversidades sejam substituídas pelos conceitos acéfalos e mentecaptos de novos extremismos.

Assusta-me que os que sempre encolheram os ombros andem agora a por aos ombros a canga do passado.

Compreendo os povos que lutam porque têm fome num mundo de excessos, abundância, sobras e desperdício, não compreendo os que lutam por não terem lugar no restaurante.

Somos feitos de conflitos – e de muita estupidez. Eu sei, acreditem que sei; sou um destes seres conflituosos que por cá andam.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

Pode ler (aqui) todos os artigos de Alexandre Honrado


 

Leia também

One Thought to “Crónica de Alexandre Honrado – Matar a fome… de restaurante”

  1. António Feliciano de Oliveira Pereira

    Pura realidade da nossa formação, deformada, torcida e estimulada pelas tendências negativas que nos constituem, desprezando a parte boa que existe em cada um de nós!
    Salvo melhor opinião, a escola da vida ensina-nos mais aquilo que queremos aprender e não a contração dos impulsos.
    Cumprimentos!

Comments are closed.