Crónica de Alexandre Honrado – Falta de chocolate (ou assim)

Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Falta de chocolate (ou assim)

 

Não sei se alguma vez eu tivesse estudado se, no passado, me dissessem que na escola a venda e o consumo do chocolate era proibido. Sei que com outras drogas pesadas, a começar pelo sal e enumerando tantas outras igualmente letais e tão queridas pelo sistema capitalista, o chocolate provoca distúrbios de saúde, não tanto pelo cacau mas muito mais pela manteiga e pelo açúcar que fazem parte dos seus aliados assassinos. Mas, do mal o menor, o chocolate nas escolas preocupa-me muito menos do que os fundamentalistas da vida quotidiana, os agentes do medo como os negacionistas, os que tremem diante de princípios ativos de cidadania, os que proclamam glórias falsas do passado, os que são ultras de todas as espécies – sabemos que as sociedades humanas compõem debilmente uma improvável e incrível Sociedade Humana a que erradamente chamamos Humanidade, e que essas mesmas sociedades humanas, esses universos culturais que se digladiam, são compostas por classes sociais inconciliáveis, por corporações, formações, bandas, clubes, ultras de futebol e de políticas, intérpretes analfabetos das religiões consagradas, populistas, oportunistas, racistas, xenófobos, homofóbicos, gente que confunde gritaria e voz elevada com voz erguida e senso crítico.

Esta quase infinita gentalha que conhecemos por ultras ou radicais, alguns que nos saem como brindes de pacotes velhos e com a data prescrita, que atira ao ar lugares comuns e que quer falar por nós, não sendo para isso nem dignos nem mandatados, desejam distinguir-se – mais do que confundir-se. Contemplam-se entre si, todavia, reciprocamente, com muito receio,  são movidos pelo medo (têm pavor dos diferentes, das minorias, da inovação, da ousadia, da cultura e por aí fora até aos não limites do Universo).

Aos ultras falta chocolate. O chocolate acalma e energiza, sensualiza e aproxima, promove sociabilidade. Mesmo que faça mal, não fará pior do que o extremismo, que é a incapacidade de viver em harmonia na mesma casa, e que se denuncia e traduz em violência doméstica e social, das agressões aberrantes físicas e intelectuais entre seres humanos, do assédio moral que começa nas escolas, à vergonha igualmente criminosa das agressões domésticas, aos fascismos e comunismos de morte que a História presenciou e que hoje há quem pretenda repetir.

Falta de chocolate ou de coragem e de formação pessoal para a difícil mas magnífica ousadia de viver com o outro e ser, com os outros?

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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