Crónica de Alexandre Honrado
Convicções
Era convicção de alguns, presos à sabedoria e à sofisticação sentimental que faz de uma besta um ser completo e capaz de ser melhor para um mundo já de si tão pródigo em ofertas, era convicção firme que o ser humano podia ser o animal perfeito, entre os animais que o rodeavam. Um cérebro mais amplo dotava-o de capacidades, sendo que duas delas podiam transcendê-lo e torná-lo ímpar e excecional: a capacidade de decidir, escolhendo entre os males o melhor que a todos beneficiasse; e a capacidade de inventar, pois seria fundamental opor à realidade, por vezes cruel e traumatizante, ações alternativas que fizessem de cada um de nós o ser confiável para cada um dos outros.
Ao espelho, podíamos acreditar que aquele que nos olhava não o fazia de um modo desafiante, era um nosso igual: não soberbo, capaz de equiparar-se ao que éramos, não imbecil, pois não permitiria louvar nem escravos, nem escravidão – seria o homem livre e a liberdade um destino para cumprir, ideal e superior. Esse ser – afinal, o nosso reflexo – era o resultado de um processo ótimo, o qual nos conduziria a uma dignidade racional que não nos distanciaria, nunca! do nosso próximo, abolindo a mesquinhez, as diferenças, de género, de raça, crença, em suma, de ignorância.
Ao ver o que vemos hoje, a disposição não revela um caminho conducente nem à liberdade, nem à libertação, mas inclinado para o abismo de uma lenta marcha capaz de conduzir povos inteiros à estupidez, ao retorno ao primitivo e ao primitivismo, à distinção social e não à socialização, à vontade de obedecer (a amos, à repressão, às fórmulas musculadas do poder, à incapacidade de escolher). Censure-se as ideias e importe-se a inteligência, mas, tão somente, a artificial que a outra provoca estragos e é propiciadora de inovação e progresso.
A incapacidade de escolha conduz a atos revoltantes. À perseguição aos mais fracos, à condenação dos comportamentos alheios, às formas exacerbadas, aos racismos e à xenofobia, à descriminação, à ignorância mais vil, onde o pugilato social é uma das forças criadoras e a louvação da guerra um materialismo grosseiro que parece recrutar os mais diversos instrumentos culturais para se legitimar.
A falta de civilidade mata as civilizações. A ignorância lança-as para a fogueira e arrasta os mais desavisados.
Dispensam-se de bom grado os professores que erguem cartazes analfabetos. E os alunos que não aprendam a produzir filtros capazes de vencer o que está para lá da porta inculta e grosseira para onde os sinais dos tempos querem empurrá-los.
Alexandre Honrado
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