Crónica de Alexandre Honrado – A preguiça de ler isto

A preguiça de ler isto
Por Alexandre Honrado

 

Parece provado que um texto sério, denso, mais científico, ou simplesmente com algumas passagens difíceis, ou quase, não é lido até ao fim.

As pessoas não se maçam, simplesmente não dominam os referenciais que lhe são sugeridos, acham que foram à escola aprender a ler para poder distinguir uma ou outra mensagem, que lhe faça falta e que não tenha mais do que vinte ou trinta palavras de seguida.  Desde que descubram onde fica a casa de banho ou a prateleira dos frescos, se tiver de ler as indicações sugestivas, está tudo bem, pacífico, vamos lá.

A última vez que fui aos Estados Unidos algumas iniciativas estatais promoviam pequenos cursos locais para reaprender a ler. É verdade: para reaprender a ler e a escrever.

As conclusões eram desesperadas: a maior parte dos inquiridos não sabia ler um texto, preencher um requerimento, preencher um folheto oficial, redigir um pedido, participar em suma nas instituições ou nos seus direitos e perante os mais fáceis desafios do dia a dia não estavam aptos a defender-se. A defenderem-se intelectualmente, entenda-se, já que os mesmos inquiridos achavam que defesa era outra coisa, mais parecida com a cultura do wrestling que adoram (e que não percebem vir de um alucinado mundo de ilusão) e entravam por isso nas estatísticas como proprietários de armas de fogo, julgando-se ingenuamente defendidos dos inimigos invisíveis porque a sua mão podia disparar e tirar a vida ao próximo, nesse julgamento sumário que a humanidade se atribui para acabar consigo e com o seu semelhante, sem pagar qualquer tributo pela sua cobardia.

É por estas e por outras que Trump existe – Trump não consegue apontar o Irão ou o Iraque num mapa, alegando que é para isso que tem assessores, e manifesta muitas dúvidas sobre os países que fazem fonteira com os EUA, ignora com soberba quase todas as matérias que algumas crianças atentas lhe podiam ensinar. É um bronco com poder, o louco à solta com mão livre para carregar em botões que podem acabar com a sua espécie – e com a nossa, é bem sabido.

Os populistas, de todos os países e até do nosso, têm isso em comum: a desfaçatez de não saberem. De não saberem quase nada sobre quase tudo. De fazerem os outros acreditar que isso é supérfluo e descartável.

Por essas e por outras, acho que vou abdicar dos meus textos mais sérios. Posso vir a curto prazo a falar de gatinhos, são fofos, de puericultura, para os que sabem o que isso é, de programas televisivos da manhã ou tarde ou de culinária que tem certames e vedetas, como a Liga dos Campeões. Isso, talvez fale da “bola”. É a minha vez de me atualizar e de ficar ao nível. Não me importo. Passarei a ser lido até ao fim da prosa.

Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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