Crónica de Alexandre Honrado | A morte em congresso

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A morte em congresso

Prepara-se –  e eu serei um dos “cúmplices” –  a realização do I Congresso Internacional: a morte – leitura da condição humana, aprazado para o período mediado entre os dias 21 e 24 de fevereiro de 2019 (e com encontro físico no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães). O tema impõe estremecimentos e para muitos algum distanciamento, porque mais vale ignorar do que encarar, pensam alguns.

Serão mais de 100 comunicações, onze áreas temáticas, contar-se-á na oportunidade a presença de representantes de vários pontos do mundo.

A reflexão é sobre o ser mortal, o que essa condição promoveu (desde quase sempre) de simbólico e de quimérico nas sociedade humanas e, muito provavelmente, sobre aquilo que alguns definem como a civilização ou a cultura da morte. Desses decido destacar ideias do papa João Paulo II que usou a expressão “cultura da morte”, fundamentando-a profundamente (na CARTA ENCÍCLICA EVANGELIUM VITAE aos bispos aos presbíteros e diáconos aos religiosos e religiosas aos fiéis leigos e a todas as pessoas de boa vontade sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana) que já vi citada por leigos e crentes, católicos e não católicos, ateus e académicos, como um dos paradigmas da nossa contemporaneidade.  É essa a cultura da nossa civilização contemporânea? Da pistola dada como brinquedo ao nosso filho, às pistolas entregues aos cidadãos para se matarem legalmente, às leis que legitimam a morte e a legalizam, desmoralizando-a?

Será um congresso profundo. Não sendo etapa única – curiosamente a morte tem surgido com cada vez mais intensidade em estudos e análises, num mundo que parece desesperado e sem o sentido da vida – que é muito bem capaz de ser o de aproveitar o máximo de uma condição espantosa e maravilhosa.

Hoje regressa com intensidade feroz o sonho da imortalidade, inimigo (mortal) do ciclo da renovação: perecemos e legamos, como a terra o faz se a pegada ecológica humana não a condenar (à morte). E o imortal perdura, não regenera.

Num velho caderno de apontamentos onde registo ideias sobre a vida, reencontro passagens notáveis sobre a morte. Curiosamente, tenho a marcar as páginas desse caderno uma foto trazida de Alba de Tormes, Salamanca: a de um relicário, propriedade da ordem das Carmelitas, onde num coração de vidro se pode ver à transparência o coração de Santa Teresa de Ávila (uma das reformadoras da Ordem das Carmelitas).

Nesse caderno há frases interessantes – intrigantes? –  como a de Ernst Bloch: “Há um caminho coberto de neve que leva para dentro do êxtase. Esse caminho é a morte.”

Adiante há uma outra citação – e eu que nem gosto particularmente de citações! – , esta de Santo Agostinho, nas Confissões: “ A alma sente mais alegria em reencontrar ou reencontrar aquilo que ela ama do que em conservá-la constantemente.”

Há um outro rabisco que refere o filósofo Walter Benjamin – que, tudo o leva a crer, decidiu matar-se a morrer às mãos dos nazis. Nesse apontamento discorre-se sobre a ideia de como perdemos tempo com o mistério da morte e pouco nos dedicamos à salvaguarda de vida.

Podia continuar ao longo dos apontamentos, mas creio que chega. Mascaramos a morte, adiamos a morte, banalizamos a morte – basta percorrer os canais das televisões a qualquer hora do dia e lá está ela como se não significasse nada – para ninguém (criança, jovem, adulto, idoso). Provavelmente não fazemos nada disso, limitamo-nos, isso sim, a mascarar, adiar, banalizar a vida, sem entender que é, afinal, o que vivemos que nos sobrepõe à morte.

Vamos ter um Congresso. Não é uma coisa de grande importância, pelo menos comprado ao ato de nascer, ao segundo de morrer e ao fantástico espetáculo de viver.

 

Alexandre Honrado

Historiador

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