Crónica de Alexandre Honrado – Escrevo para não ficar sozinho

Crónica de Alexandre Honrado
Escrevo para não ficar sozinho

 

Duas fontes de informação, aparentemente sem qualquer relação, caem suavemente no meu computador, vindas por correio eletrónico. Consagro-lhes os primeiros minutos da manhã que conterá logo a seguir centenas de outras razões de leitura e de reflexão.

A primeira delas vem das Nações Unidas. Recebo quase todos os dias o seu correio e faço dessas matérias grande utilidade. Por vezes, os conteúdos são mais leves, felizmente, como este exemplo intitulado  “A arte é para todos. Eu uso minha música porque não quero ficar sozinho”. O título já chegava para uma profunda reflexão, mas toda a matéria merece ser aprofundada.

A frase é de Ivan Lins em entrevista à ONU News e deixa-me a pensar que, no confinamento, não fosse a arte e estaríamos ainda mais isolados, mais distantes do nosso semelhante, a viver tão limitado como nós, com a sua autónoma e própria solidão.

Há quem diga que a arte para nada serve, que é um prolongamento supérfluo e dispensável às nossas necessidades, não mata fome nem sede, não tira pedintes da rua ou salva crianças abandonadas. Depende do ponto de vista e da forma como age.

A Arte pode ter um papel maior e inigualável na redenção ou na salvação deste frio quotidiano em que se alojou o mundo. Pode intervir, denunciar, recompor – já para não falar do enorme peso económico que tem nas contas de países e lugares, levando água e alimento a milhões de seres humanos.

No segundo correio eletrónico recebido, as mensagens vêm do Centro Nacional de Cultura, cujos conteúdos não dispenso.

(Sim, cultura. Não me apontem as pistolas, é ela a área que mais me mobiliza e cativa.)

O texto agora é assinado por Joaquim Miguel de Morgado Patrício, um texto que eu diria fundamental e que intitulouA Cultura e o Questionamento Permanente da Realidade”. Começa assim:

É um lugar comum questionar como foi possível o nazismo florir num país como a Alemanha, pátria de filósofos, compositores, escritores, cientistas, intelectuais, artistas e pensadores de vanguarda, num território tido como culto e exemplo, à data, de uma nação civilizada. Sabemos bem, a começar pela História, que nem a educação, o saber ou o conhecimento intelectual nos oferecem qualquer garantia de um juízo moral ou de uma ética melhor”.

Pego nestas palavras e coloco-as, como se colocasse uma grelha orientadora sobre um mapa desfocado, coloco-as sobre o nosso presente, a nossa amnésia, o nosso país…

Com grande apreensão vejo a banalidade das ideias, dos nomes, e dos escolhidos para encabeçarem listas políticas nas próximas eleições autárquicas e estremeço perante este assumir da mediocridade, desta falta de qualquer garantia de juízo moral ou ética melhor. Logo numa altura em que devíamos estar a retemperar forças para o desafio de reconstruir.

Oiço Ivan Lins, para ganhar coragem.

Uso a minha escrita para não ficar sozinho. Em vão?

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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