De ontem e de hoje – Emigração por Licínia Quitério Era Abril e a década contava-se por sessenta. Paris era uma ideia, um desejo, um encontro previsto. Eu trabalhava para pagar os estudos, arduamente, num afã que a juventude permite. A dureza das muitas horas de trabalho adiava, inviabilizava, destruía sonhos de pequenos vícios, pequenos prazeres, mas a força de quem tem uma vida a começar não admite desistência. Havia quem só estudasse, quem não tivesse prazeres adiados, quem navegasse em águas mornas, como se natural fosse essa…
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Crónica de Licínia Quitério | O calor
De ontem e de hoje – O calor por Licínia Quitério Vem a propósito do calor. Não um qualquer calor de Verão. Um calor perturbador, ameaçador, persistente, viscoso, que pede líquidos e os bebe de um trago e de retorno dá mais sede e mais seca e uma moleza de mistura com uma raiva que escalda a mente e a pele desnuda. As mulheres, na esplanada frente ao rio, sonhando com mares distantes e muito azuis que lhes tinham contado serem lugar de férias de afortunados e de…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Conta-me uma história
De ontem e de hoje – Conta-me uma história por Licínia Quitério Bendito e louvado, o meu conto está acabado. Com esta ou outras fórmulas tradicionais, podem fechar as suas histórias os contadores, os conta-contos, esses andarilhos que percorrem o país a desenterrarem tesouros para os salvarem do esquecimento e depois os partilharem com adultos e crianças, em praças, em escolas, em bibliotecas. Recolhem histórias, às vezes dão-lhes novas roupagens e depois contam-nas, com vozes bem moduladas e gestos expressivos. Neste nosso mundo de desalentos, será sempre bom…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Anos 50 do século XX
De ontem e de hoje – Anos 50 do século XX por Licínia Quitério Em Lisboa, no 34 da Avenida da República, viviam as velhas amigas que há muitos anos, tantos quanto somam três gerações bem contadas, emigraram para a cidade, levadas pelos pais, em busca, como todos os deslocados deste mundo, de melhor fortuna. Moravam na grande cave do prédio que servia de habitação de porteiro, com muitos compartimentos e um longuíssimo corredor. Só menos de metade da casa recebia luz do exterior, através de pequenas janelas…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Conversa de mulheres
De ontem e de hoje – Conversa de mulheres por Licínia Quitério A Matilde chegou em passo mais estugado do que era seu hábito. Vem sem óculos. Mal chegou explicou: “Estás a estranhar qualquer coisa. Isso mesmo. Larguei os óculos. Decidi-me por lentes de contacto. É hoje o meu primeiro dia de olhos novos. Estou a gostar. Diz lá se não pareço mais nova. Não te rias, qual é a mulher que gosta de envelhecer, qual? Enquanto puder vou disfarçando os anos. Disfarçando apenas, que eles vão somando,…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | O senhor poeta
De ontem e de hoje – O senhor poeta por Licínia Quitério Eu era uma miúda franzina, pequenina, até dar o salto para a idade de mulherzinha. Vem isto a propósito do que me lembrei por ter estado a ler em jornais antigos a notícia do encerramento do restaurante Irmãos Unidos, no Rossio de Lisboa, e do sequente leilão do recheio. Logo me pus a rever, no filme que só eu realizei, a porta giratória, coisa nunca vista, que dava acesso ao restaurante e pela qual eu entrava,…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Nunca me ouves
De ontem e de hoje – Nunca me ouves por Licínia Quitério Ele não se apercebeu da proximidade do lago até sentir o chape-chape das rodas, as do lado direito. Logo parou, não fosse atolar-se. Disse-lhe que esperasse, que saísse do carro pela porta do lado dele. Ela não esperou, abriu a porta e saiu, deixando-o nervoso, inquieto. É por isso que não se cala sobre o assunto: ”Nunca me ouves. Ou não ligas. Não queres saber. Eu disse-te que esperasses para saíres pela porta do meu lado.…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Passeios de Domingo
De ontem e de hoje – Passeios de Domingo por Licínia Quitério Ela era uma mulher ruiva, com cabelos naturalmente encaracolados e revoltos, com a pele pejada de sardas a mancharem o fundo leitoso. As ancas possantes, os seios ainda firmes, os artelhos finos de cavalo de raça, davamlhe um ar picante que provocava olhares gulosos dos homens do bairro, pouco habituados a mulheres como a Elvina do Marreco. Como resumia o malandreco do empregadito do Café: “Apanhá-la…” Davam curtos passeios ao Domingo, de braço dado, pelos jardins…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | Formiguinha
De ontem e de hoje – Formiguinha por Licínia Quitério Formiguinha, asinha, asinha, formiguinhas, formiguinhas, à cata nas prateleiras, pega aqui, larga acolá, não preciso, não preciso, sempre levo, sempre levo, posso vir a precisar, é assim, nunca se sabe, mais barato, tão barato, levo três, só de uma vez, larga isso, larga isso, olha que a mãe está zangada, e cansada, e cansada, anda lá que tenho pressa, e o almoço, quem o faz, novas marcas, marcas brancas, muitas, muitas, muitas marcas, eu sei lá se esta…
Ler maisMafra | Lançamento do Livro “Discurso Directo” de Licínia Quitério [Imagens]
Com apresentação e análise literária de Adriano Alcântara, professor de português da Escola Secundária José Saramago, assistimos ontem, no Auditório D. Pedro V, à apresentação do novo livro de Licínia Quitério, “Discurso directo”. Licínia foi o nome que minha Mãe me deu. Se eu tivesse nascido rapaz, o nome teria sido a gosto de meu Pai. Foi fácil entre eles o comércio de nomes. O escolhido é um nome quase esdrúxulo, com uma quase vogal que se repete. Quase fácil, quase audível, o meu nome. É um nome antigo,…
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