Crónica de Alexandre Honrado Como um gelado se lê Nem o verão interrompe as tarefas, mas cá estou, entre elas, entre as tarefas, a procurar espaço e sombras paras as leituras, algumas até muito ensolaradas. Escrever, minha paixão, talvez resulte desses tantos e enormes enamoramentos com a leitura. Por identificação, acabo por tirar da prateleira da livraria uma obra de humor inteligente. Sem inteligência o humor é mais uma stand up comedy de criaturas sentadas. Confesso que me identifiquei com a obra, e então trouxe-a bem agarrada, embora…
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Crónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – A Dona Rosária
De ontem e de hoje – A Dona Rosária por Licínia Quitério Na loja da dona Rosária havia tudo, cabia tudo, nada se limpava, nada se fiava, nada tinha peso certo, nada tinha preço certo. Na montra da loja da dona Rosária havia um amontoado de objectos, grandes, pequenos, médios, de caixas, mais ou menos amolgadas, de moscas mortas de tédio, lá pelo meio. A loja onde reinava, absoluta, a dona Rosária, era um armazém de sacos, de tulhas. No balcão que sobrava dos objectos, dos sacos, das…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Tudo a arder
Tudo a arder por Jorge C Ferreira Sim, há o “… fogo que arde sem de ver… “. Todos sabemos desses calores difíceis de controlar. Dos corpos que parecem perdidos. Do ardor insuportável. Dos rostos ensimesmados. Do caminho para a perdição ou para a salvação. Das noites gritadas. Já vi arder corações, amores que pareciam eternos, almas empedernidas. Não sou pessoa de desatar fogos. Sei que não posso ser o fogo eterno. Mas estou farto de ver arder sonhos. Não gosto de ver sofrer. Não me agradam corações…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Um Amigo
Um Amigo por Jorge C Ferreira Era moreno, não muito alto, um sorriso malandro, sabia dançar. O pai dele imitava Fred Astaire em frente ao espelho grande da casa. Dançava e libertava-se. Chegou a dizer que estava a dançar melhor que o seu ídolo. Uma figura. Este meu Amigo vivia perto de mim. Frequentava o mesmo café. Com ele troquei vida e segredos. Tudo até uma altura em que a vida nos separou. Uma coisa de que não me perdoo até hoje. Há amigos que são para seguir…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Entre a vida e a morte
Crónica de Alexandre Honrado Entre a vida e a morte Íamos três. Nessa época era muito comum. Fazíamos centenas de quilómetros e conversávamos. As conversas eram mais compridas que os quilómetros contados. Estava um verão daqueles, que só algumas zonas do mundo conhecem, com temperaturas anormalmente altas e comentários anormalmente disparatados, atribuindo culpas a quem as não tinha, e endossando os caprichos da natureza às incapacidades humanas. Ainda na véspera tínhamos discutido coisas dessas, de vida e morte, como são sempre as coisas mais extremas entre nós, os…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Há que resistir
De ontem e de hoje – Há que resistir por Licínia Quitério – Há que resistir! – Respondia invariavelmente a quem lhe atirava o habitual – Como vai isso?-*-oikk Firmava a bengala no chão, a evidenciar algumas sobras de vitalidade, abria quanto podia os olhos esverdeados, agora enevoados pela poeira do muito tempo vivido, e repetia, com a voz já a quebrar na dentadura que oscilava: – Há que resistir! Se o ouvinte era “da cor”, puxava conversa: – Isto está cada vez pior. E andaram aqueles homens a…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | A Poesia e os Poetas
A Poesia e os Poetas por Jorge C Ferreira A Poesia é um mistério. Muitas letras escondidas numa arca antiga que se vão juntando. A Poesia tem templos onde o belo se celebra. Templos guardados por deusas, feiticeiras, alquimistas e gente que se diz que levita. As palavras dos poemas vestem sonhos e enigmas. São tintas de todas as cores. Falar com Poetas é falar com algo mais longínquo. É viajar e sonhar através do seu falar. Há quem diga as palavras dos poetas, verso a verso num…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Escrever ou não escrever-me eis a questão
Crónica de Alexandre Honrado Escrever ou não escrever-me eis a questão Tenho de confessar que é um sintoma revelador dos meus desequilíbrios mais comezinhos o facto de não escrever. E às vezes a ausência é notória e dorida, acreditem. Quando estou feliz – ou pelo menos motivado – é na escrita que estabeleço os primeiros degraus de uma subida à tona, pois, mesmo sem grande objetivo a cumprir, sei que as ideias escritas fixam e fixam-nos enquanto seres, melhorando graus de entendimento e de sociabilidade, elevando os nossos…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Ir a Lisboa
De ontem e de hoje – Ir a Lisboa por Licínia Quitério Iam a Lisboa visitar as velhas amigas que há muitos anos, tantos quanto somavam três gerações bem contadas, emigraram para a cidade, levadas pelos pais, em busca, como todos os deslocados deste mundo, de melhor fortuna. Moravam numa grande cave que servia de habitação de porteiro, com muitos compartimentos e um longuíssimo corredor. Só menos de metade da casa recebia luz do exterior, através de pequenas janelas basculantes, abertas e fechadas com o auxílio de uma comprida…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Aprender
Aprender por Jorge C Ferreira Eram manhãs que nasciam súbitas dos ventres das madrugadas. Um tempo que passávamos em claro. Não tínhamos dado que a noite tinha acabado. Só os néons e as luzes psicadélicas viviam nas nossas cabeças. Tão jovens e com tanta vontade de viver depressa. Assim nos enrolávamos com a vida. Os beijos eram intensos. Intensos foram todos aqueles amores perdidos. Vir a casa, tomar banho, mudar de roupa. A farda para o trabalho. A outra vida que ia durar muitas horas. Até que os…
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