Crónicas de Jorge C Ferreira | Agonias

Agonias   A agonia sem nexo. O vómito negro e inesperado. O desamparado desfalecimento. A palidez. A água com açúcar. As suaves estaladas, quase festas. O estaladão. Acordar de novo para a vida vomitar de novo. A agonia que não passa. Uma porta para o despertar. A menina de esperanças, sempre agoniada, uma palidez que incomoda. De que alimentará o puto? Pergunta do velho Avô preocupado. O caminhar abandonado. A comida que não apetece. Um apetecer estragado. Alguns estranhos desejos. Comidas de outras épocas. Abrir a porta da vida. Uma…

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Crónica de Alice Vieira | As nossas pátrias

As nossas pátrias Alice Vieira   Para a semana tenho de ir apanhar um avião para Paris. Claro que, a esta hora, ao tempo que a mala já está feita. Pequena, que eu sempre aprendi a viajar só com o essencial. E, se bem me conheço, para aí quatro horas antes do voo já eu hei-de estar no aeroporto. Por razões de saúde, neste último ano não tenho viajado muito. Mas até há pouco tempo quando, por exemplo, um miúdo numa escola me perguntava “onde é que mora?”–eu ria e…

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Crónica | Alexandre Honrado – Peço desculpa

Os livros de viagens, as narrativas de viagens, o imaginário que leva qualquer um de nós às deslocações mais surpreendentes, a migração, o refúgio, o alcançar terras desconhecidas, a procura de riqueza sempre num lugar diferente daquele em que se nasceu, o melhor pasto, o mais fecundo chão, o rio mais generoso, leva-nos a partir e a ficar… O movimento está na matriz dos povos. A procura de sustento ou da caverna mais espaçosa, o clima mais pródigo ou pelo menos o lugar mais ameno: movimento. Na pré-história, as maiores…

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Crónicas de Jorge C Ferreira | Deslumbramentos

Deslumbramentos   Há quem se deslumbre com o que nunca fez. Há o narciso que se vê ao espelho e deslumbrado se abrace. Há o fazer de conta, o saber vender-se, o querer impressionar. A pressão que ultrapassa o vapor da vida. O não se enxergar. O alumbramento. A leveza da terra toda. Um ramo de flores. Um pai nosso e duas avé marias. O pecado expiado. Outras vez ávido de se ver ao espelho. Pronto para de novo se abraçar e fazer amor consigo. Há o verso quase perfeito,…

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Crónica | Alexandre Honrado – LEIA. Ou passe adiante.

Participei na semana passada em seminários e debates – três, para ser exato, profícuos, de força prolífera e muito cansativos, como todos os outros – dos quais saí com algumas convicções reforçadas. Em primeiro lugar que devemos estabelecer cumplicidades com a incompreensão. A ideia estonteante e muito enganadora de que compreendemos o que nos rodeia – e no que nos rodeia há o tangível e o intangível, o tridimensional e o abstrato, o bidimensional e o invisível, só para encher a linha com algumas das diferenças – é falaciosa. É…

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Folhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (6º. Episódio)

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério   BENVINDA – Uma História de Emigração (6º. Episódio) Os olhos de Benvinda brilhavam como costumam brilhar os olhos das mães quando falam dos filhos. Seja por alegria, por saudade, por desgosto, brilham. Foi quando arranjei trabalho como “concierge” que tivemos direito a casa, pequena, mas uma casa, foi uma vida melhor, foi, depois daqueles dois anos tão maus, mas tão maus, que até me dói falar deles. Às vezes ainda tenho sonhos ruins de voltar a morar no contentor, de ver as crianças…

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Crónicas de Jorge C Ferreira | Saudade

Saudade   Somos os fundadores da saudade. Dela somos pais, mães, padrastos, madrastas, irmãos, irmãs, filhos, bastardos sem nome. Até há quem se chame Saudade. Acho que a inventámos quando inventámos a aventura. Usamos e abusamos dela. Somos sôfregos e sofremos com a sua melancolia. Porque isto de inventar uma palavra, não é  apenas uma questão de juntar letras. Há significados, categorias, definições, sentimentos envolvidos. Um ror de teimosas características que umas vezes nos encantam e outras nos enfadam. Fui amigo da fada da saudade. Zangámo-nos num dia de nevoeiro…

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Crónica de Alice Vieira | Ele há cada palavra…

Ele há cada palavra… Alice Vieira   Se depender de mim, os correios nunca irão à falência e hão-de ter sempre vida longa e próspera. Não há-de haver muita gente, concordo, que, nestes tempos websummíticos  escrevam cartas e postais todos os dias. Mas MESMO todos os dias. E muitos. Ainda não há muito tempo, Novembro era o mês em que eu inundava as duas estações de que “gasto” em Lisboa, com cartas e encomendas para amigos que viviam em terras  para  lá do sol posto. Das primeiras vezes, o funcionário…

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Crónica de Alexandre Honrado | A ordem é sempre estranha

A ordem é sempre estranha Sentado a uma mesa, com uma tarefa preciosa: pensar. Se alguém tivesse lido Virgílio Ferreira, notaria a contradição. Há uma diferença em que se insere a interminável discussão entre os sistemas do pensar – e a indiscutibilidade daquele que é o nosso (sim, o nosso pensar, o nosso pensamento, o eu imperfeito que nos move).  Por isso, trocarei o verbo PENSAR pelo substantivo masculino alheamento. Isso! Isso mesmo! Reformulo. Estava eu a executar uma tarefa preciosa: a alhear-me. Repare-se que é na abstração que se…

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Crónicas de Jorge C Ferreira | Crónica dos dias soltos

Crónica dos dias soltos   Mudar de casa, mudar de rua, mudar de mar, mudar de vida. Outros os amigos, outro o dia a dia. Alguma roupa também muda. Tenho roupa espalhada por alguns sítios. Marcas que vou deixando. Até os animais mudam. O gato aqui é de porcelana. A Isaurinda está agora por perto, uma vigilância constante. Uma figura sempre presente neste meu vai e vem a que chama doença. Mal vê as malas começa a abanar a cabeça. O pano, na mão, mais parece um lenço de acenar.…

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