Odemira por Jorge C Ferreira E de repente Odemira. Como se Odemira tivesse sido um acrescento repentino no mapa de Portugal. Como se toda a gente não soubesse o que acontece há anos naquele concelho. Um parque que se diz natural e protegido cercado e invadido por plástico. Estufas sob as quais crescem frutos especiais. Porque agora queremos tudo em qualquer altura. A multidão que é necessária para a colheita. A produção intensiva. A quantidade de água que é gasta, água que, como todos sabemos, é um bem finito.…
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Crónica de Jorge C Ferreira | Abril
Abril por Jorge C Ferreira Chegou Abril e o estado de emergência não foi renovado. Algum simbolismo nesta coincidência. “Nada é por acaso” diria a minha Mãe. Por mais anos que passem sobre aquela madrugada, mais eu a sinto. Sinto-a no magistral Poema de Sophia. Sinto-a na pintura de Vieira da Silva. Sinto-a no aroma que veio com a liberdade. Eu sei que Abril, para alguns, é coisa desconhecida. Cabe-nos a nós, que ainda andamos por aqui e vivemos aquela podridão da falta de liberdade, da polícia política, do…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Poemas
Poemas por Jorge C Ferreira Fomos jantar fora. Jantámos na esplanada. Poucos comensais. Acho que estava tudo nos centros comerciais. Comemos iscas com batata cozida. Uma bavaroise de café. Bebemos água e café. Cinco minutos depois estávamos em casa. Só andamos a pé por aqui. A vida a abrir para fechar daqui a algum tempo? Já não digo nada. Nunca sei nada. Telefonaram à Isabel para ir tomar a primeira dose da vacina. Eu tomei a minha em 31/3. Acho que vai tudo correr bem. A Isabel está entre…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | O Prescrito
O Prescrito por Jorge C Ferreira Jorge C Ferreira, setenta e dois anos. Tanto tempo. Tantos anos a viver e sobreviver. Perto de prescrever. Quem me vai salvar? Quem me vem salvar? Desta agonia de me sentir perto da prescrição. Um Senhor Doutor Juiz de Direito olha para mim, incrédulo, e diz de martelo na mão: – O senhor aqui? Respondo: – Sim, sou eu. De novo o Juiz: – O Senhor diz ser Jorge C Ferreira? e acrescenta uma série de números identificativos que alguns sei de cor.…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Desconfinar
Desconfinar por Jorge C Ferreira Abriram as esplanadas. Abriu a minha esplanada. Fui à inauguração. O meu café e a minha água com gás. Os empregados de máscaras, mas sorridentes. O serviço, o mesmo. As mesas e as cadeiras limpas e desinfectadas. Eu com a minha máscara bico de pato que me entorta as orelhas. Tenho de arranjar maneira de dar a volta a isto. Não quero acabar com as orelhas partidas. A Isabel já arranjou uma solução. Vamos ver se funciona. Encontro pessoal que não via há muito…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | O Vacinado
O Vacinado por Jorge C Ferreira Hoje escreve o cidadão que já tomou a primeira dose da vacina. Foi cedo. Eram 9:10 da manhã do dia 31/3/2021. Local, S. Domingos de Rana, Cascais. Tudo bem organizado e eu desorganizado. Primeira gaffe, esqueci-me do cartão de cidadão. Uma senhora muito expedita conseguiu através do cartão de saúde internacional tirar os dados que necessitava para me identificar. Há lugares onde nos sentimos apoiados. A minha afilhada querida veio-me buscar e perguntou-me – as pessoas conhecem-me – trazes tudo o que é…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Que vida!
Que vida! por Jorge C Ferreira Quando se chega a uma idade como a minha, começamos a fazer exames a tudo e mais alguma coisa. Alguma coisa vai aparecer com valores fora do normal. Seguem-se exames e mais exames. Alguns são intrusivos, outros mais doces, mais suaves. Depois receitam-nos umas pílulas para aconchegarmos a doença. Compreendemos então que aqueles aparelhos sofisticados têm de ser pagos. Os comprimidos são para a vida. Acartamos uma mala de drogas e passamos por aeroportos, portos e fronteiras terrestres sem sermos presos. São as…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | As vacinas e as vácinas
As vacinas e as vácinas por Jorge C Ferreira Fui pedir um café e um queque ao postigo. Depois sentei-me num muro a deglutir desejos. Estava sol e os raios dardejavam a cara, o cabelo e a barba. Estou ainda com ar de homem encontrado, com o cabelo comprido e a barba por desfazer, após ter estado metido numa caverna. Sou a figura desenhada da pandemia. Passo por pessoas que me falam e eu respondo. Tenho de perguntar quem são. As pessoas estão diferentes e as máscaras não ajudam.…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Resistir
Resistir por Jorge C Ferreira Continuamos, por aqui, neste tempo perdido. Tanto tempo desperdiçado! Sonhamos com a liberdade. Uma festa breve e, por vezes, com ressaca. Sinto-me uma ilha. Um espaço que ocupo e espera que o mundo o venha visitar. Sou do mar, sou amante das ilhas. Sou filho do mundo. Nasci das águas mais puras. Fui aspergido por águas bentas. Vivi sempre como pude. Algumas vezes como me deixaram viver. Nunca sobrevivi assim. Somos duas ilhas que por este espaço navegamos. Encontramo-nos num beijo de espuma. Somos…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Uma madrugada
Uma madrugada por Jorge C Ferreira Era madrugada alta. Sei isso porque já dormia. O telefone tocou. Atendi a chamada. Do outro lado uma voz, trémula de emoção, disse-me: «vê a televisão». Não me lembro quem era. Veio-me à memória outra antiga madrugada em que me telefonaram perto da mesma hora e me disseram: «ouve a rádio, estão a colocar marchas militares e acho que andam militares nas ruas». Nessa altura o telefone era fixo e a televisão não funcionava vinte e quatro sobre vinte e quatro horas. No…
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