Crónica de Alexandre Honrado Há coisas do diabo. Há À mesa do café – e repare-se como hoje esta frase é quase memória, coisa de museu, à mesa do café entre fragmentos de frases – do tipo “a Deolinda acabou com o Nuno”, “o que achas desta sombra de olhos”, “viste ontem aquilo?”, “Sete a zero, pá! E não jogaram nada!” –, ali ao lado, um par de velhotes conversa animadamente, e um deles diz, enfático: há coisas do diabo! Porque escrevo estas crónicas e outras, porque dou…
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Crónica de Alexandre Honrado – Uma estranha adrenalina
Crónica de Alexandre Honrado Uma estranha adrenalina Ao espetar, cada vez mais firmemente, um dos eixos do compasso no plano irregular do estirador da minha vida, eu sabia que estava a correr um risco muito grande. Todavia, ao rodar o compasso e ao estabelecer a circunferência das opções, havia uma estranha adrenalina a percorrer-me, tão irresponsável como irrecusável: eu ia ser escritor. Geometricamente, o plano era perfeito – um conceito que se ia tornando mais apurado à medida que eu estabelecia a escrita como a consolidação de elos…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Longos caminhos nas trevas percorridos
Crónica de Alexandre Honrado Longos caminhos nas trevas percorridos É longo o caminho, difícil a travessia. Pelo meio há figuras icónicas, é sabido, mas são as gentes anónimas, as que morrem e ficam abandonadas à margem da estrada sem nunca terem mostrado que têm nome e valor, são essas as que fazem, na sombra, a história dos países e do mundo. As embarcações cheias de refugiados que nunca chegam a porto seguro, os escravos que não conheceram o abolicionismo, a verdade que ficou por dominar perante a mentira…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – A nossa bela mestiçagem
Crónica de Alexandre Honrado A nossa bela mestiçagem Ando pela Lisboa que amo profundamente. Se olharem para as árvores, os sons de Lisboa não diferem. São um coro amável de muitas influências. Encontrarão nessas árvores a cantonense Muk Min, a árvore do algodão, vinda de Macau, a dois passos de um embondeiro angolano, de uma papaia moçambicana, a poucos metros estará um pinheiro-da-terra ou pinheiro de São Tomé, mais adiante um marmolano, de Cabo Verde, e uma Jequitibá, a árvore brasileira de maior porte e longevidade, um tamarilho timorense…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – O riso de todos
Crónica de Alexandre Honrado O riso de todos Estamos no momento da crise. Há demasiado tempo. Da crise dos valores, da economia, da autoestima, da memória, do futuro. Estamos de uma fragilidade insana. Os intelectuais estão em estado crítico, também, pela não geração de ideias universais – o que prova como não estão preparados para dar conselhos à Humanidade. A Humanidade também, por estar num daqueles períodos da História do Mundo em que a cultura lhe parece uma ameaça – queimem os livros, pois não sabemos ler! Quando…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Sempre a tilintar
Crónica de Alexandre Honrado Sempre a tilintar Eu nasci em Lisboa e andei a crescer por lá, entre asfalto e nuvens. Quando era menino, o asfalto ainda era pouco e muito triste, a terra batida atirava-nos poeira para os olhos e as ideias que se trocavam em voz baixa mas não tímida eram espancadas e encarceradas; as nuvens contrariavam sempre o Sol, esse Sol que em Lisboa é pródigo e farto como um útero fértil. Há qualquer coisa na atmosfera que nos convida a ser felizes na minha…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Entre a complexidade e o atabalhoamento
Crónica de Alexandre Honrado Entre a complexidade e o atabalhoamento Edgar Morin ultrapassou os cem anos de idade. Diria que ultrapassou milénios de sabedoria, mas se o dissesse corria logo o risco de me tornar carne isolada para predadores, o que é o mesmo que dizer, alvo de críticos, esses seres singulares que se alimentam dos dejetos alheios. A última vez que estive em França, o que foi há dias, comprei uma autobiografia de Morin, na aparência um pequeno livrinho, na essência um livro enorme. Li-o duas vezes,…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Coisas que visito, leio (e não comento)
Crónica de Alexandre Honrado Coisas que visito, leio (e não comento) Itamar Ben-Gvir é advogado, é também político e foi nomeado muito recentemente (em dezembro de 2022) como novo ministro da Segurança Nacional do governo liderado por Netanyahu, uma coligação que tem dado muito que falar e que escrever, mais ainda que pensar. Ben-Gavir é de extremíssima direita e tem coisas como esta: defende a anexação, por Israel, da Cisjordânia, onde vivem 2,9 milhões de palestinianos. Também defende a expulsão de parte da população árabe de Israel. E…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Texto de Ano Novo
Crónica de Alexandre Honrado Texto de Ano Novo Aqui é sempre chuva na areia, digo eu que vejo as marcas de outros passados. Longe de mim recordá-los com saudade, pois sei que saudades só do futuro se for o que aí vem em escala intensa. As metáforas ficam nas marcas da chuva e recordo com intensidade figuras amáveis que me abriram os braços, recolhendo-me, algumas querendo ensinar-me coisas do acreditar e do querer, embora inutilmente – que sempre fui muito convicto e rígido nas minhas coisas de…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado – Natal
Crónica de Alexandre Honrado Natal Tudo o que (nos) transcende tem esse aplicativo, o de ir para lá do humano, e ao ser assim deixa-nos à distância certa do que conseguimos compreender e da compreensão confusa em que nos perdemos. Somos a mancha de cor que se adivinha na névoa a cerrar-se nos seus silêncios teimosos e assustadores. O segmento de tempo que teimamos em viver, ano após ano, nesta mesma época, desejando com mais ou menos sinceridade coisas de prosperidade e paz, se não nos torna mais humanos…
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