Uma Estrela
Chegou um dia vinda do mais profundo de um país continente. Não sabemos quantos dias e quantas noites demorou a chegar, não sabemos se veio numa nau antiga ou na asa de um moderno avião. Também tudo isso pouco interessa… Chegou, trouxe uma doçura na boca, um sorriso no corpo e uma desembaraçada forma de querer ser.
O seu nome começa por “T”. É nova, muito nova. Se fosse minha filha, eu seria um pai tardio. É bonita. Tem um sorriso que encanta. Trabalha. Claro que trabalha! Por sorte minha arranjou emprego num café onde costumo ir tomar uma indefinida refeição, uma estranha comida a uma estranha hora. (Muita coisa em mim é estranha.) Um sítio onde me tratam bem. Onde sabem o que quero. Um sítio onde costumo ir com outra filha que arranjei. Afectos que adoro espalhar. Só assim me sinto inteiro.
Sermos afectuosos torna-nos mais humanos. Dar valor ao simples, ao pequeno gesto, ao beijo que sentimos que é sentido, ao abraço apertado. Tudo isto nos faz crescer e tentar ser. A vida a desdobrar-se. Pensar, pensar no sentido da vida. Pensar no que vivemos, no que podemos viver, no que representamos, para onde caminhamos. Quem somos?
Voltemos à minha amiga “T”, porque foi com a sua viagem/aventura que tudo isto começou. Um dia destes encontrei-a na rua a trabalhar. Andava com a farda do café e um tabuleiro na mão a oferecer uma nova especialidade feita na casa. Viu-me, sorriu, e perguntou-me se queria experimentar. Trazia os botões do polo branco desabotoados. Entrevia-se tatuada uma estrela no seu corpo. Disse-lhe que aquilo que me apetecia mesmo era uma estrela. Foi conferir a chapa com o seu nome, não se tivesse enganado, mas rápido percebeu. A resposta surgiu rápida:
«Esta estrela não posso dar, não.»
Disse-me.
Logo lhe perguntei o porquê, a razão. A resposta veio em forma de história, uma história verdadeira e sentida. Uma fonte de belos sentimentos.
«Esta estrela é do meu Avô. O meu Avô que eu adorava, teve uma anemia e morreu, lá longe, sem eu me poder despedir dele. Um desgosto que carrego comigo. Gostava tanto dele…!!! Foi por isso que mandei tatuar esta estrela, para o trazer sempre comigo.»
Quando acabou de me confessar isto, nos olhos dos dois bailavam lágrimas suspensas. Uma ternura grande nos ligava. Fiz-lhe uma festa terna e só tive voz para lhe dizer:
«Triste a tua história, tão triste, mas há muita beleza no teu sentir. És uma menina muito bonita por dentro.»
Apeteceu-me pedir-lhe um beijo. “T”, por certo, diria que sim, não tive coragem. Fiz-lhe, apenas, outra festa num braço.
Limpei o rosto e segui. “T” seguiu com o seu trabalho. Agora, quando nos encontramos, sorrimos de forma terna um para o outro e acenamos, acenamos sempre. A sua estrela continua viva e vive em mim também.
Já conhecia muitas histórias de tatuagens com sentimentos dentro. Esta foi mais uma que me fez pensar no que é fútil e no que é sentido. Agora estou muito mais atento a tatuagens. Busco nelas sempre um significado. Afinal, também os três brincos que uso têm significados bem precisos. Somos gente que gosta de marcar os passos da vida. Cada um tem a sua maneira de os assinalar. Um beijo “T”.
«Olha, hoje, no meio do triste, escreveste uma história bonita. Não conheço essa menina, mas fiquei a gostar dela.»
Voz de Isaurinda.
«Que bom que gostaste, minha querida. Já não era sem tempo.»
Respondo.
«Sim, mas não te ponhas já a atirar foguetes. Sabes que te direi sempre o que penso.»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Out/2017(139)
Um magnífico texto sobre o essencial da vida. Enternecedor
Obrigado Isabel. Escrever da ternura todos os afectos. Abraço.
Bom dia Jorge. Acabei de ler o seu conto que classifico de cinco estrelas. Desde as 5 horas no aeroporto para me despedir da minha estrela maior, bem viva felizmente. Soube bem ler.
Penso que grande parte de nós tem os seus símbolos, escolhidos a propósito, junto ao corpo. Outros há que estão gravados no coração ou na alma.
A estrela de que nos fala é muito ternurenta.
Abraço.
Obrigado Fernanda. Que a sua estrela maior brilje muito. Por vezes encontrmo-nos nestas avenidas da vida. Abraço
Como esta história é bonita, todos concordamos. Que o poeta Jorge é um senhor de afectos, de uma extrema sensibilidade, com o dom de escrever textos tão ternurentos, também. É um privilégio poder ler os seus textos. Por vezes faltam as palavras para os comentar.
Obrigado Isabel. É um privilégio ler os seus comentários. Abraço.
Que bela historia hoje nos traz Jorge.Como o mundo era melhor se todos olhassemos assim uns para os outros com olhos de ver . Também conheço uma história de uma linda tatuagem, talvez um dia lha conte.Até para a semana amigo.
Obrigado Maria da Conceição. Vamos procurar o belo. Vamos encher o nosso dia de gente bonita. Espero pela sua história. Abraço.
Quão linda história de partilha de afectos, cultura e humanidade. “Sermos afectuosos torna-nos mais humanos” . Um abraço, um beijo, um simples olhar e a partilha das emoções é o que faz de nós seres humanos mais próximos , mais tolerantes e mais felizes. A Isaurinda , sempre deliciosa e presente nos episódios de sua vida. Adorei como sempre. Obrigada Mestre. É um Ser de Luz e de afectos. Seja feliz! Abracinho.
Obrigado Ana, Temos de procurar a beleza do outro. Temos de nos encantar com o b elo. Os afectos são essenciais para o nosso viver. Abraço.
Impressiona-me quem é capaz de se deixar realmente tatuar, seja qual for a razão por que o faz. Impressiona-me tudo quanto é definitivo e, neste caso particular das tatuagens, o facto de infligir dor, um processo que, no limite, leio como auto-flagelação.
Por isso entristecer-me-ia se algum dos meus filhos se tatuasse.
Hoje, passou a ser sobretudo uma moda e proliferam como cogumelos, as casas de tatuadores. Ainda recentemente, enquanto passava por um desses lugares, assisti a uma cena absolutamente arrepiante, em que aumentaram significativamente os decibéis da música para abafar os gritos de dor de alguém que estava a ser tatuado.
Desculpa este meu desabafo, meu amigo, mas precisei de o fazer, antes de te dizer que é claro que me enterneço com o teu bonito testemunho, e entendo-te muito bem porque sei que és um homem de afectos. Abraço-te.
Obrigado Ana. Também eu sou incapaz de fazer uma tatuagem. No entanto esta uma prática ancestral. Com significados e mitologias associados. Compreendo-te também, O importante é o significado das coisas. Os afectos marcam-nos para sempre. Abraço
Querido Jorge,
A verdadeira beleza está efectivamente no que é mais simples.
A simples história que no acabaste de contar é pura, verdadeira e sentida. E carregada de ternura.
Na ausência de seu avô, a tua amiga “T” sente-se protegida na sua estrela. Nela encontra conforto, equilíbrio, esperança, Luz.
Todos nós temos de alguma forma, as nossas tatuagens. Algo ou alguém que nos marcou/marca.
Eu, pessoalmente, acho bonito quando alguém, de forma absolutamente consciente, decide tatuar algo visível para si. Tal como tu, querido Jorge, e os teus brincos com os seus respectivos significados.
Sim, meu querido mestre, Este texto és tu. Uma história que é mais um reflexo da pessoa bonita que és. Um sensível, terno e afectuoso ser humano, que nos ajuda nas suas doces palavras a “ver” a beleza da vida. Essa característica que infelizmente nem todos conseguem admirar.
É enternecida que te abraço e digo que é um privilégio ler-te e trazer-te tatuado em mim. Obviamente não esquecendo a minha querida Isaurinda. Que privilégio termos quem nos diz sempre o que pensa.
Bem hajas.
Obrigado Cristina. Tatuar a vida e o pensamento numa pele triste. Ser dos afetos. Abraço.
Como ser de afetos que é, tocou-me, também nos meus afetos.
A vida sem um lugar de recolha de afetos é como um cofre vazio que desperta a curiosidade do alheio. Essa caixa forte tem uma tatuagem gravada no rosto, o segredo, o enigma que desperta o passado.
Um abraço, Jorge.
Obrigado António. Pelos afectos nos salvaremos. Uma viagem tatuada numa estrada. Abraço.
Meu amigo Jorge, sabia e esperava a tua crónica. Desta vez uma história bonita, uma história de afectos. Bastou teres conhecido uma jovem mulher,” T ” nascida nalgum local que não conheces, não sabes como veio. Mas por sorte tua, no café que frequentas com outra filha tua, a jovem trabalhava lá.Imagino, porque sei, do abraço apertado, do carinho com que a tratas. Encontraste-a na rua e reparaste na estrela que trazia na pele. Disseste-o, mas ela explicou porque não a podia dar. Nunca. Por ser tatuagem? Não. Porque aquela estrela era do, era o Avô, que tinha morrido e que ela mandara gravar no seu peito.
Tão bela história. Trazer o amor dos nossos gravados. Na minha rua, muito perto da minha casa, abriu há poucos anos, um gabinete/ loja de tatuagens. O M. que as faz é um artista em desenho. Morava aqui na rua, conheço-o desde novito. Logo no início gravou uma andorinha rara nas costas da minha sobrinha. Para ela, também com uma intenção que não perguntei. Já a partilhei no FB. Se não a viste posso (re)partilhar. Dizes e bem que, cada um tem a sua maneira de marcar instantes da vida.
Afectos é uma tua bela característica, Por isso é tão fácil estar, mesmo longe, ao teu lado. A Isaurinda mais uma vez tem razão. Escreveste uma história bonita, porque todas as estórias de afectos são bonitas. Afinal, ainda hoje li que é com o coração que olhamos.
Beijos ternos e muito amigos <3 <3
Obrigado Ivone. Ler os teus comentários/textos é uma delícia de que não prescindo. Agradecer-te é uma obrigação que tenho sempre de repetir. Amiga generosa. Amiga inteira. Abraço.
Que linda e meiga esta história, vou estar atenta ao”T” e não vou atirar foguetes. Grande abraço amigo Jorge
Obrigado Maria do Carmo. Sabe sempre bem ler comentários ao que escrevemos. Outro grande abraço minha amiga.
Há dias que a sensibilidade nos incomoda pela teimosia com que as lágrimas teimam em cair.Há dias assim…
Como sempre a ternura num texto maravilhoso.Obrigada,meu querido amigo.Bj
Obrigado Célia. Somos a sensibilidade que muitas vezes tentamos esconder. Que a ternura nunca nos abandone. Abraço.
Que linda história! Também vou estar a partir de agora, muito atenta às tatuagens..há sempre uma história carregada de sentimentos dentro delas. Obrigada, meu bom amigo. Um abraço apertado e beijinhos no coração
Obrigado Madalena. Devemos estar atentos a tudo o que nos rodeia. Nem tudo o que por vezes parece é fútil. Abraço grande.
Uma história linda e tão humana. Gostei muito. Obrigada amigo. Um abraço do ❤️
Obrigado Esmeralda. Que bom que gostou. É bom saber. Abraço.
Que linda história…não devemos julgar ninguém sem conhecer o verdadeiro significado das coisas. Também fiquei com os olhos brilhantes…o Jorge é um Ser de afetos…obrigada Mestre . Um abraço.
Obrigado Idalina. Nunca devemos julgar ninguém. A tolerância deve ser um lema que nos acompanhe. Abraço.